Em 26 de dezembro de 1979, Henfil escreveu para a
sua mãe uma daquelas famosas cartas que viriam a ser publicadas em jornais e
revistas da época e depois reunidas em livro. Nela, ainda em plena ditadura militar,
o cartunista e jornalista realizava um comovente balanço do ano que passara ao
passo que fazia da carta um canto de esperança para o tempo que estava por vir:
“Mãe, aqui estou eu, em mais um Natal, fazendo desta carta meu sapato colocado
na janela”. Na sequência, ele conclui ter sido um bom moço naquele ano: “Eu
acho que fui muito bom. Eu fui solidário com todos os meus irmãos Betinhos
(...). Voltei pro país que me expulsou como todos os Juliões. Dei murro em
ponta de faca como todos os Marighellas. Cantei as prostitutas, as mulheres de
Atenas e joguei pedra na Geni como todos os Chicos Buarques. Aspirei cola como
todos os pixotes. Fui negro, homossexual, fui mulher. Fui Herzog, Santo Dias e
Lyda Monteiro”. A carta é encerrada de forma comovente: “Vou fechar os olhos,
vou dormir depressa. Esperando que meia-noite todos entrem pela minha janela.
Me façam chorar de alegria, que eu quero viver! A bênção, Henfil”. O artista
faleceria alguns anos depois.
Não sei o motivo de ter lembrado desta carta quando
esboçava o último texto que escrevo para este jornal no ano de 2017. Talvez
pela comoção que geralmente me invade nesse período do ano, a mirar com uma
certa e triste alegria desde os trenzinhos de papai Noel a trafegarem pela
cidade até o perfume da árvore chamada Dama da Noite (cestrum nocturnum), que
floresce nessa época, perfumando as noites de dezembro e janeiro. Talvez a
carta-sapato de Henfil nos traga ainda um ar de luta e esperança tão
necessários em tempos politicamente obscuros. Paradoxalmente, olho para esse
tempo e nele encontro um dos mais bonitos de minha vida, iluminado pelo sorriso
de uma filha, que chegou há quase dois anos para alegrar nossa casa e
transformar nossas vidas.
2017 foi intenso, tão parecido e diferente dos anos
anteriores que só nos resta fazer um balanço e pendurar aqui nossa carta-sapato
para o ano vindouro. Pensemos no tema que nos move neste espaço (o jornal me
solicita reflexões sobre arte e literatura e tento, então, humildemente
fazê-las).
Na literatura, em 2017, encantei-me com o jovem escritor norte-americano Patrick de Witt, no livro “Os Irmãos Sisters”, que retoma o gênero faroeste, atualizando-o e transformando-o. Degustei o livro “Limonov”, de Emmanuel Carrere, pensando com Dostoiévski que “a verdadeira verdade é sempre inverossímil”. Diverti-me com o livro de crônicas “Coisas Nossas”, do grande Luiz Antonio Simas. Apreciei os mais recentes e esperados romances de Milton Hatoum (“A noite da Espera”) e Daniel Galera (“Meia-noite e vinte”). Conheci um pouco da cultura dos índios Arawetés lendo o famoso estudo de Eduardo Viveiros de Castro, “Araweté, um povo tupi na Amazônia”. Surpreendi-me com o romance-policial “Macumba”, de Rodrigo Santos, que discute a intolerância religiosa em nosso país. Lamentei com o escritor alemão W.G.Sebald os horrores da guerra, lendo “Os imigrantes”. Acertei as contas com minha consciência ao ler uma obra obrigatória pela qual não havia ainda me aventurado, “O coração das trevas”, de Joseph Conrad. Impressionei-me com o inquietante “Conto da Aia”, de Margareth Atwood, que me foi emprestado por uma aluna. Viajei pelas páginas de autores que aprecio como o argentino César Aira, o russo/ucraniano Gógol, Jorge Amado, etc. Poderia citar outros companheiros de viagem, mas o tempo é curto.
Na literatura, em 2017, encantei-me com o jovem escritor norte-americano Patrick de Witt, no livro “Os Irmãos Sisters”, que retoma o gênero faroeste, atualizando-o e transformando-o. Degustei o livro “Limonov”, de Emmanuel Carrere, pensando com Dostoiévski que “a verdadeira verdade é sempre inverossímil”. Diverti-me com o livro de crônicas “Coisas Nossas”, do grande Luiz Antonio Simas. Apreciei os mais recentes e esperados romances de Milton Hatoum (“A noite da Espera”) e Daniel Galera (“Meia-noite e vinte”). Conheci um pouco da cultura dos índios Arawetés lendo o famoso estudo de Eduardo Viveiros de Castro, “Araweté, um povo tupi na Amazônia”. Surpreendi-me com o romance-policial “Macumba”, de Rodrigo Santos, que discute a intolerância religiosa em nosso país. Lamentei com o escritor alemão W.G.Sebald os horrores da guerra, lendo “Os imigrantes”. Acertei as contas com minha consciência ao ler uma obra obrigatória pela qual não havia ainda me aventurado, “O coração das trevas”, de Joseph Conrad. Impressionei-me com o inquietante “Conto da Aia”, de Margareth Atwood, que me foi emprestado por uma aluna. Viajei pelas páginas de autores que aprecio como o argentino César Aira, o russo/ucraniano Gógol, Jorge Amado, etc. Poderia citar outros companheiros de viagem, mas o tempo é curto.
Espero que 2018 seja um ano feliz, repleto de
realizações e boas leituras, afinal de contas os bons livros nos ajudam a viver
melhor. Que em 2018 impere a paz e o amor na vida de todas as pessoas e também
nos noticiários. Que as más notícias não cheguem tanto. Que possamos sorrir e
dançar mais e que essa dança seja tão bela quanto aquela que assisti com minha
esposa há alguns dias no espetáculo “Elementos”, do Grupo Corpo & Dança.
Quanta beleza estava posta em movimento no Cine Ópera naquela noite. Que venha
2018 e que ele possa dançar em nós. E que na noite de Natal, como Henfil,
possamos fechar os olhos esperando que à meia-noite todos entrem pela nossa
janela e nos façam chorar de alegria, posto que todos queremos viver.
Texto publicado originalmente no jornal Caiçara,
em União da Vitória-PR, em 23 de dezembro de 2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário