segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

R.F. Lucchetti: O Lobisomem de Jardinópolis



Se Curitiba tem o seu vampiro, Dalton Trevisan, bem como o seu Frankenstein, Valêncio Xavier, Jardinópolis, em São Paulo, tem o seu Lobisomem, Rubens Francisco Lucchetti, considerado por Valêncio um dos escritores mais importantes do mundo. Acreditem se quiser, Lucchetti, no auge dos seus 87 anos, é autor de mais de mil e quinhentos livros (a maior parte deles publicada com pseudônimos ou heterônimos), sem contar umas trezentas HQs, vinte e cinco roteiros de cinema, entre outras produções. A cifra extraordinária já é suficiente para nos lançar a busca de seus livros que, curiosamente, são difíceis de serem encontrados. O jeito mais fácil talvez seja entrando em contato com o próprio pelo facebook. A maior parte dos títulos disponíveis são vendidos diretamente por Lucchetti, que os envia aos compradores com um carinhoso autógrafo. A sua obra foi para mim uma grande descoberta em 2017. Como é que eu não havia lido esse gênio antes?



Lucchetti é um mestre na literatura de Horror. Leitor de Bram Stoker, Edgar Alan Poe, entre outros, é considerado o papa da “pulp ficcion” no Brasil. O termo faz referência às revistas publicadas com papel barato que se popularizaram no século XX, geralmente vendidas em bancas de jornal. Gêneros como o de terror, suspense e policial foram bastante explorados por essas revistas. Com o tempo, a expressão passou a designar um gênero menor, uma espécie de subliteratura. Não gosto de pensá-la assim. Prefiro mirá-la a partir da potência imaginativa que levou Quentin Tarantino e Charles Bukowski a inspirarem-se no universo pulp.


A obra “As máscaras do pavor”, por exemplo, se passa em meados da década de 70, em Los Angeles, onde começam a ocorrer uma série de assassinatos que parecem ter sido cometidos por personagens clássicos, como o Drácula, o Fantasma da Ópera, Jack, o Estripador e o Lobisomem. Nesse sentido, o livro é uma homenagem ao cinema e à própria literatura. “Os amantes da Sra. Powers”, inspirado na literatura Noir, inicia-se com um misterioso atropelamento que será presenciado pelo detetive Bernard Calhoum, que se envolverá ao longo da trama em uma série de peripécias. A literatura Noir, com suas belas e sensuais personagens femininas, bem como com seus detetives de chapéu e cigarro na mão, geralmente mistura terror, suspense e policial e se passa em ambientes noturnos e ruas desertas. Em “O abominável Dr. Zola”, narra-se a apavorante história de um louco cientista que usava em suas macabras experiências seres humanos. Dr. Zola, cujo nome é possivelmente inspirado no escritor naturalista Émile Zola, criou um lobisomem a partir de uma inseminação artificial. Outros títulos poderiam ser citados como “O museu de horrores” e “5 bonecas de olhos vazados”, este lançado há alguns dias. No prelo, está o livro “Poemas de Vampiros”, a sair pela editora Clepsidra. Boa parte da obra tem sido publicada pela Editorial Corvo.



Quando assisti ao “O segredo da Múmia” (1982), de Ivan Cardoso, nem imaginava que o roteiro era de R.F.Lucchetti. Clássico brasileiro do gênero “terrir” (por misturar a comédia e o terror), o filme conta também a história de um cientista louco que, neste caso, descobre uma poção capaz de dar vida eterna aos seres humanos, usando uma múmia que, voltando à vida, ameaça os vivos. Outro filme conhecido do mesmo diretor, com roteiro de Lucchetti, é o “Escorpião Escarlate” (1990), que homenageia filmes de aventura e suspense, inspirando-se em antigos programas de rádio. Parceiro criativo de ilustradores como Nico Rosso, Lucchetti criou diversas revistas de histórias em quadrinhos e roteiros para José Mojica Marins, o famoso Zé do Caixão, seu amigo e companheiro na arte do Horror.


Como escritor, Lucchetti permanece fiel a si mesmo. Na folclórica história do lobisomem, um sujeito aparentemente comum, em uma noite de lua cheia, transforma-se em uma horrenda figura monstruosa, meio homem meio bicho, para assustar as pessoas e/ou cometer suas aberrações. Imagino Lucchetti, quando anoitece, trancando-se em seu escritório e deixando escapar de sua imaginação, em todas as noites, suas assustadoras histórias. Quando amanhece, ele adormece seus monstros e retorna à vida comum. É o lobisomem de Jardinópolis.    


Publicado originalmente no jornal Caiçara, de União da Vitória - PR, em 16 de novembro de 2017.


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