Se Curitiba tem o seu
vampiro, Dalton Trevisan, bem como o seu Frankenstein, Valêncio Xavier,
Jardinópolis, em São Paulo, tem o seu Lobisomem, Rubens Francisco Lucchetti,
considerado por Valêncio um dos escritores mais importantes do mundo. Acreditem
se quiser, Lucchetti, no auge dos seus 87 anos, é autor de mais de mil e
quinhentos livros (a maior parte deles publicada com pseudônimos ou
heterônimos), sem contar umas trezentas HQs, vinte e cinco roteiros de cinema,
entre outras produções. A cifra extraordinária já é suficiente para nos lançar
a busca de seus livros que, curiosamente, são difíceis de serem encontrados. O
jeito mais fácil talvez seja entrando em contato com o próprio pelo facebook. A
maior parte dos títulos disponíveis são vendidos diretamente por Lucchetti, que
os envia aos compradores com um carinhoso autógrafo. A sua obra foi para mim
uma grande descoberta em 2017. Como é que eu não havia lido esse gênio antes?
Lucchetti é um mestre na
literatura de Horror. Leitor de Bram Stoker, Edgar Alan Poe, entre outros, é
considerado o papa da “pulp ficcion” no Brasil. O termo faz referência às
revistas publicadas com papel barato que se popularizaram no século XX,
geralmente vendidas em bancas de jornal. Gêneros como o de terror, suspense e
policial foram bastante explorados por essas revistas. Com o tempo, a expressão
passou a designar um gênero menor, uma espécie de subliteratura. Não gosto de
pensá-la assim. Prefiro mirá-la a partir da potência imaginativa que levou
Quentin Tarantino e Charles Bukowski a inspirarem-se no universo pulp.
A obra “As máscaras do
pavor”, por exemplo, se passa em meados da década de 70, em Los Angeles, onde
começam a ocorrer uma série de assassinatos que parecem ter sido cometidos por
personagens clássicos, como o Drácula, o Fantasma da Ópera, Jack, o Estripador
e o Lobisomem. Nesse sentido, o livro é uma homenagem ao cinema e à própria
literatura. “Os amantes da Sra. Powers”, inspirado na literatura Noir, inicia-se
com um misterioso atropelamento que será presenciado pelo detetive Bernard
Calhoum, que se envolverá ao longo da trama em uma série de peripécias. A
literatura Noir, com suas belas e sensuais personagens femininas, bem como com
seus detetives de chapéu e cigarro na mão, geralmente mistura terror, suspense
e policial e se passa em ambientes noturnos e ruas desertas. Em “O abominável
Dr. Zola”, narra-se a apavorante história de um louco cientista que usava em
suas macabras experiências seres humanos. Dr. Zola, cujo nome é possivelmente
inspirado no escritor naturalista Émile Zola, criou um lobisomem a partir de
uma inseminação artificial. Outros títulos poderiam ser citados como “O museu
de horrores” e “5 bonecas de olhos vazados”, este lançado há alguns dias. No
prelo, está o livro “Poemas de Vampiros”, a sair pela editora Clepsidra. Boa
parte da obra tem sido publicada pela Editorial Corvo.
Quando assisti ao “O
segredo da Múmia” (1982), de Ivan Cardoso, nem imaginava que o roteiro era de
R.F.Lucchetti. Clássico brasileiro do gênero “terrir” (por misturar a comédia e
o terror), o filme conta também a história de um cientista louco que, neste
caso, descobre uma poção capaz de dar vida eterna aos seres humanos, usando uma
múmia que, voltando à vida, ameaça os vivos. Outro filme conhecido do mesmo
diretor, com roteiro de Lucchetti, é o “Escorpião Escarlate” (1990), que
homenageia filmes de aventura e suspense, inspirando-se em antigos programas de
rádio. Parceiro criativo de ilustradores como Nico Rosso, Lucchetti criou
diversas revistas de histórias em quadrinhos e roteiros para José Mojica
Marins, o famoso Zé do Caixão, seu amigo e companheiro na arte do Horror.
Como escritor,
Lucchetti permanece fiel a si mesmo. Na folclórica história do lobisomem, um
sujeito aparentemente comum, em uma noite de lua cheia, transforma-se em uma
horrenda figura monstruosa, meio homem meio bicho, para assustar as pessoas
e/ou cometer suas aberrações. Imagino Lucchetti, quando anoitece, trancando-se
em seu escritório e deixando escapar de sua imaginação, em todas as noites,
suas assustadoras histórias. Quando amanhece, ele adormece seus monstros e
retorna à vida comum. É o lobisomem de Jardinópolis.
Publicado originalmente no jornal Caiçara, de União da Vitória - PR, em 16 de novembro de 2017.
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