Na semana
passada, no dia 08 de março, comemorou-se o Dia Internacional da Mulher. Tive o
prazer de participar, com as professoras Lorena Lima e Gisele Schnorr, no IFPR
(Instituto Federal do Paraná), campus de União da Vitória, de uma mesa-redonda,
que teve como foco a presença da mulher na literatura. O debate integrou uma
semana de atividades relacionadas ao tema. Senti-me lisonjeado e ao mesmo tempo
apreensivo por ser o único sujeito masculino a participar dos debates. As
mulheres, com todo o merecimento, têm conquistado espaços significativos em
todos os setores da sociedade, superando uma condição social que, ao longo da
história, não foi generosa e justa com elas. No entanto, falta ainda um reconhecimento
maior no que se refere, por exemplo, à remunerações mais honestas e ao pleno respeito
a seus direitos, superando formas de assédio e outros tipos de violência que
ferem a sua dignidade.
A mesa-redonda
tratou das representações da mulher na literatura ao longo dos tempos, da
participação de escritoras na produção literária, bem como das polêmicas
envolvendo a existência ou não de uma poética propriamente feminina. Poderíamos
considerar como literatura feminina apenas aquela produzida por mulheres? Ou
também aquela cujos temas estão relacionados ao seu universo? Ou ainda, seria
feminina uma poética na qual o narrador ou o eu-lírico são predominantemente
femininos independente do sexo do autor?
Arrisco dizer
que toda a literatura é feminina, mesmo aquela produzida por homens. Isso
porque a intuição e a sensibilidade necessárias à prática da arte literária, em
especial à da poesia, são elementos, por excelência, femininos (talvez
devêssemos estudar melhor a relação entre o hemisfério direito do cérebro, as
mulheres e o texto poético). Sempre acreditei que a arte nos ensina a ver a
vida de forma feminina. E o interesse pelo universo feminino certamente me
aproximou da arte. A poesia, aliás, é o grande útero da linguagem e ao mesmo
tempo o leite que nutre e fortifica um idioma. Se o mundo fosse comandado por
mulheres dificilmente assistiríamos a tantas guerras e outras barbáries. As
mulheres são mesmo as engenheiras e arquitetas do mundo.
Oswald de
Andrade defendeu em seus ensaios a importância da mulher na vida social. Para
ele, o mundo se divide na sua longa história em Patriarcado e Matriarcado. Sua
tese “Crise da Filosofia Messiânica” argumenta que um novo Matriarcado se
anuncia com tudo aquilo que vem junto dele: o filho de direito materno, a propriedade
comum do solo e o Estado sem Classes, ou mesmo a ausência de Estado. Sob essa
ótica, só quando o mundo voltasse a ser dominado pelas mulheres alcançaríamos o
verdadeiro estágio de liberdade, igualdade e fraternidade (ou melhor “sororidade”,
para usar uma expressão que me foi apresentada pela professora Giselle Schnorr).
A visão anarco-socialista de Oswald é muito bonita e transcende seu pensamento
literário.
Oswald de Andrade e Pagu
Até o século XX
a participação das mulheres na literatura foi praticamente nula. A maior parte
das escritoras produzia uma obra que sequer era divulgada. Em muitos casos,
elas adotavam pseudônimos masculinos como condição para a publicação,
circulação e valorização de suas obras. É o caso por exemplo de Emily
Brontë, que escreveu “O Morro dos Ventos Uivantes”, publicado com o pseudônimo
Ellis Bell. No Brasil, nos últimos 50 anos, as mulheres começaram a conquistar
espaços mais significativos no cânone literário. Se na primeira metade do
século encontramos poucos nomes, como Rachel de Queiroz, Cecília Meireles, Pagu
(Patrícia Galvão) e Gilka Machado, na segunda metade proliferam-se os nomes:
Clarice Lispector, Hilda Hilst, Adélia Prado, Lygia Fagundes Telles, Nélida
Piñon, Cora Coralina, Helena Kolody, Carolina Maria de Jesus, Marina Colasanti,
Zélia Gattai, Ana Cristina Cesar, entre outras. A lista das contemporâneas é
grande e vai de Josely Vianna Baptista à Carol Bensimon.
Veronica Stigger, por
exemplo, em “Gran Cabaret Demenzial”, discute questões que aludem, não apenas
ao universo feminino, mas também aos dilemas da vida, abordando de forma
poética - mas ao mesmo tempo filosófica e política -, o grotesco de um mundo
que cada vez mais tem se tornado insuportável. Angélica de Freitas, por sua
vez, no livro de poemas “Um útero é do tamanho de um punho”, reflete
criticamente sobre preconceitos e estigmas vivenciados pelas mulheres. Em um
dos poemas, “Mulher de vermelho”, a poeta assume um eu-lírico masculino para
problematizar a voz social que vê na sensualidade da mulher um elemento de
promiscuidade: “O que será que ela quer / essa mulher de vermelho / alguma
coisa ela quer / pra ter posto esse vestido / não pode ser apenas / uma escolha
casual / (...) / o que ela quer sou euzinho / sou euzinho o que ela quer / só
pode ser euzinho / o que mais podia ser”. Observe-se que o que se problematiza
aqui é discurso que, por vezes, se materializa a partir de casos de estupro: “Que
roupa ela estava usando?”. Como se a vestimenta justificasse o crime. As
mulheres têm produzido uma arte poética muito rica e significativa na
contemporaneidade. Desejo que elas possam cada vez mais ocupar na literatura -
e em todos os outros lugares - um espaço que sempre foi seu de direito.
Publicado originalmente no jornal Caiçara, de União da Vitória PR, 17 de março de 2018.
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