quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Dissonâncias de Foucault e de Daniel de Oliveira Gomes: Apontamentos para uma filosofia-poético-musical


Caio Ricardo Bona Moreira

Ao som de Glenn Gould

"Em um tempo no qual o senso harmonicamente comum, bem como a ausência de um saber potente parece reger e conduzir a vida, muito aquém das multiplicidades rizomáticas - avessas a qualquer tipo de fundamentalismo -, valorizar a dissonância é uma forma não só de resistência, mas mesmo de sobrevivência do pensar. Fugir da consonância é, assim, um ato de coragem e lucidez" 


Gostaria de saudar o professor Daniel de Oliveira Gomes e sua pesquisa, evocando amorosamente o livro Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector, no qual o pensamento é pensado como música se criando: “A música era da categoria do pensamento, ambos vibravam no mesmo movimento e espécie. Da mesma qualidade do pensamento tão íntimo que ao ouvi-la, este se revelava” (1997, p.54). Evoco também a prosa de Água Viva, na qual Clarice compara a escrita automática de seu texto ao jazz, gênero musical pautado pelo momento e pela improvisação: “Sei o que estou fazendo aqui: estou improvisando. Mas que mal tem isso? improviso como no jazz improvisam música, jazz em fúria, improviso diante da plateia” (1980, p. 23). Por fim, de Clarice também, evoco Um sopro de vida, no qual ela escreveu, ou melhor, cantou: “Estou ouvindo música. (...) Meu vocabulário é triste e às vezes wagneriano-polifônico-paranoico. Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma paisagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria” (1999, p.15-16). Poderíamos passear bem mais pelo universo lispectoriano apreciando a música que se depreende de suas palavras, tudo isso para musicar seu pensamento, ou mesmo pensar altissonantemente seus acordes verbais. Aliás, em 1973, a autora recebeu uma carta do amigo e jornalista Alberto Dines na qual ele observa sobre a ficção Água Viva: “Você venceu o enredo (...) A gente vai encontrando a todo instante situações-pensamento. (...) É menos um livro-carta e, muito mais, um livro-música. Acho que você escreveu uma sinfonia” (DINES apud GOTLIB, 2004, p. 33). Tais imagens, a de um “livro-música” bem como a de “situações-pensamento” parecem aqui ilustrar com presteza a experiência que vivencio ao ler os textos de Daniel que se constituem para mim como uma espécie de filosofia-poético-musical. 

Glenn Gold

Clarice Lispector

Relembro o belo prefácio de Durval Muniz de Albuquerque Júnior escrito para o livro Dissonâncias de Foucault, de Daniel. Nele, Albuquerque Júnior observa que ao abrirmos o livro, estamos acionando um “objeto sonoro” (in GOMES, 2012, p. 11). Ao lermos suas dissonâncias percebemos quanta música há em seu pensamento. Se, como nos sugere o prefaciador, há uma música em cada maneira de pensar, bem como uma musicalidade em cada prática filosófica, isso significa que diante dos textos de Daniel, para além do livro, estamos sempre diante de dissonâncias. O texto introdutório observa ainda que o livro merece ser escutado mais do que lido e se o pensamento tem uma musicalidade é porque ele é do campos da estética. E se o professor/pesquisador está voltado para a dissonância, isso acontece porque ele está buscando a meu ver uma sonoridade que destoe do senso comum, o que representa um exercício ideal no que se refere ao estudo de um filósofo como Michel Foucault. As dissonâncias do pensador francês permitem a Daniel, nessa sinfonia, produzir, ou melhor criar e tocar, as suas próprias dissonâncias. E não fortuitamente elas podem ser ouvidas também no texto que agora se apresenta, “Nódulos de Foucault (das possibilidades rizomáticas de ainda ouvi-lo)”. Em uma passagem dele, Daniel aponta para a necessidade de Foucault ser hoje “legitimamente ouvido, em sua lição de dissonância”, isso porque carecemos de “filosofia viva e dissonante” (GOMES, 2018, p.22).

Michel Foucault

O primeiro texto, ou melhor a primeira performance filosófica-poético-musical, de Daniel que conheci e que me cativou de imediato pela sua inventividade foi uma conferência sobre a leitura poética da música de Tom Jobim (abramos um parêntese: curiosamente a poesia, que é a arte da palavra, surge em boa parte das tradições, como canto, como música. Tomem-se como exemplo o lirismo musical dos gregos ou aquele presente nos hinos Rig Veda, ou mais próximas de nós, as cantigas que brotam junto com a língua portuguesa na Península Ibérica nos séculos XII e XIII). A palestra foi proferida na UNESPAR, campus de União da Vitória, há alguns anos.
Pensando ainda na música, imagino o quanto o pensamento-musical de Daniel contribui para fazer repercutir (e o verbo aqui assimila todos os seus sentidos) o pensamento de Michel Foucault. 
Desde que conheci Daniel, chamou-me a atenção, mais do que o texto por ele elaborado, ou mesmo seus conteúdos e referências, a forma como sua escrita/pensamento se dobrava e desdobrava, produzindo, por meio da fricção de objetos muitas vezes disparatados, uma faísca capaz de devolver potência aos objetos contemplados. Em outras palavras, como o seu texto tocava e dançava em mim. Ou seja, para usar uma nomenclatura de Michel Foucault, encantava-me assistir aos movimentos que se dirigiam mais para a sua ficção do que para a sua fábula[1] (FOUCAULT, 2001). Como não lembrar aqui do escritor argentino César Aira, que observou no ensaio “A nova escritura” (AIRA, 2007), a característica principal dos grandes artistas do século XX que seria a capacidade não necessariamente de criar obras, mas de criar procedimentos para que as obras se fizessem sozinhas ou não se fizessem. Pois bem, Daniel parece criar procedimentos de leitura para que sua crítica se faça sozinha. Como a peça “Music of Changes”, de John Cage, evocado por Aira no ensaio citado, a filosofia-poético-musical de Daniel se dobra e desdobra dissonantemente como uma forma ainda possível de se emitir um lance de dados em prol da arte e do pensamento. Poderíamos pensar no texto de Daniel como a peça de um músico de jazz que a partir de uma linha melódica improvisa inventando. O improviso aqui não é sinal de desleixo ou amadorismo, pelo contrário, desdobrar com eficiência o pensamento musical a partir de um fio condutor exige técnica e talento, esforço e sensibilidade. Nasce daí sua forma de ensaio (musical, poético e filosófico). Lembre-se que Adorno aproximou o gênero ensaio da lógica musical em suas Notas de Literatura (2003). Aliás, no texto “Nódulos de Foucault”, Daniel observa que Maria Cristina Franco Ferraz aponta para o relançamento do gesto do ensaio em Foucault. 

John Cage

Pedro de Souza, ao apresentar “Dissonâncias de Foucault”, chamou a atenção para o fato de que para que existir a dissonância “é preciso que haja uma linha melódica dentro e fora da qual alguém destoa” (in GOMES, 2012, p. 07). Não é à toa que no texto de hoje, em questão, Daniel escreve que Foucault precisaria ser legitimamente ouvido, em sua “lição da dissonância”. Daniel, assim, segue o conselho de Pedro de Souza, para quem é preciso continuar a ouvir Foucault. O professor/pesquisador lê assim com-Foucault na medida também em que o trai, como veremos adiante. Em um tempo no qual o senso harmonicamente comum, bem como a ausência de um saber potente parece reger e conduzir a vida, muito aquém das multiplicidades rizomáticas - avessas a qualquer tipo de fundamentalismo -, valorizar a dissonância é uma forma não só de resistência, mas mesmo de sobrevivência do pensar[2]. Fugir da consonância é, assim, um ato de coragem e lucidez. É ainda Pedro de Souza que chama a atenção em Daniel para uma “forma livre de ler um pensador”, “não no conteúdo que pensa, mas no ato de pensar” (in GOMES, 2012, p. 07). É possível que essa forma seja muito pertinente para se pensar com o filósofo, pois como escreveu Oliveira Gomes:

Se queremos absorver a profunda intimidade de Foucault temos que encarar o Fora, desde esta escrita, e isto significa manter também com ele uma certa infidelidade, como poria Alfredo Veiga-Neto, em um ensaio. Significa perceber ainda a adesão íntima de Foucault com Nietzsche; evadir do modelo de identidade representativa que o fixaria num lugar excepcional; aceitar o rizoma contemporizado em Foucault para o presente (GOMES, 2018, p. 20).

Manter uma relação de infidelidade não significa virar ex-foucaultiano, porque Daniel não tem medo de conviver com a ausência de mira, ou de viajar em um barco à deriva. O que Daniel faz é trabalhar com o saber numa zona de perigo – aliás, lugar destinado a Foucault, como sugeriu Blanchot (apud GOMES, 2018), assumindo o desafio de um labirinto sem mapas e sem fins, para desenvolver assim uma perspectiva de audição, propondo a releitura (audição), de um Foucault artista, de um Foucault selvagem.

Maurice Blanchot

Se parte da inventividade e da competência analítica e poética da crítica de Daniel se encontra no ato de manter com o seu objeto uma relação também de infidelidade, isso significa que o prolongamento do pensamento desse mesmo objeto está diretamente ligado à capacidade de multiplicar as ideias, colocando-se a serviço da invenção. Nesse processo, a relação entre o pesquisador/leitor e o autor/filósofo se (in)diferencia. Talvez a metáfora da ligação orgânica entre a máquina e o operador não seja aqui adequada, posto que o universo da produção capitalista é a todo momento problematizado por Daniel. Seria interessante pensar com ele nos fios da marionete que “vistos em rizoma, não remetem ao sujeito que opera o objeto, mas sim que continua prolongando-se na forma das fibras e nervos dos braços do operador até o indiferenciado” (idem, p. 21). Porque a esfera do rizoma, seja em Deleuze e Guattari, ou mesmo em Foucault, está na esfera no descentramento puro, da pura desterritorialização. O cerne em todos os lugares e o centro em lugar nenhum.
Como não lembrar aqui de um livro seu que muito aprecio, refiro-me ao “Saber é Poder”, publicado em 2015. Sobre esta obra, Miguel Sanches Neto aponta para sua estrutura desmontável, como um livro que pode ser lido aos pedaços, “embora tenha uma estrutura geral” (in GOMES, 2015, p. 09). Cada capítulo seria uma espécie de janela que se abre “para outras paisagens intelectuais”. O trabalho de montagem – num certo sentido rizomática - que parece pautar a confecção do livro, variando a todo momento seus olhares e suas paisagens, mas sem perder a coerência do todo, demonstra novamente uma espécie de trabalho musical de composição que encontramos por exemplo no jazz, na sua vocação para a associação inventiva entre as partes que o compõe. Tendo sempre em vista o fio condutor de uma reflexão sobre o poder e o saber, bem como o exercício de uma ethopoiética, a partir de um conhecimento profundo do pensamento de Foucault, Daniel passeia pelo capitalismo norte-americano que se expande pelo mundo com seus códigos e condutas, pela língua como fonte de poder e saber, pelas relações entre o poder e a ciência, a política, o mercado, a educação, etc. Com o filósofo francês, descentralizando a noção de poder, Daniel nos mostra que o poder está em toda a parte, inclusive no saber. E na ethopoiética de Daniel, a poesia merece um lugar de destaque. Em um dos ensaios, intitulado “Ciência ou Culto”, o autor, lendo Edgar Morin, aponta para a necessidade de fazermos valer “cada vez mais um diálogo entre a poesia e a ciência”, já que “a poesia, por ser um discurso que essencialmente não se submete a uma organização política ou interesses do 'ir adiante', apresenta-se como uma possibilidade mais revolucionária de nos envolvermos no mundo” (GOMES, 2015, p. 166). Por ser uma reflexão que integra o último ensaio do livro, antes das considerações finais, percebe-se o lugar destinado por Daniel à poesia em nosso mundo contemporâneo, bem como uma das possíveis conclusões da obra, destinada a estudantes egressos do Ensino Médio e ingressantes no Ensino Superior.

Edgar Morin

Daniel, no texto que hoje se examina, relembra de Glenn Glould a executar o barroco ao piano, alongando passagens, e criando uma multiplicidade de execução e não mera interpretação de Bach. Essa imagem parece traduzir muito melhor a relação do pesquisador ideal com o seu Foucault, talvez Virgilio a guiar o pesquisador na selva escura da contemporaneidade. Essa ideia está para além da mera influência, pois trata-se de um jogo que não se dá sem conflitos e naturalmente seguir Virgilio/Foucault é também e paradoxalmente trair o seu guia - afastado da mera idolatria -, para lê-lo com mais clareza. Como escreveu Padre Vieira: “há de estar apartado dos olhos para se poder ver” (1993, p. 228).  Édipo, sem o distanciamento necessário não enxergava o que o destino lhe reservara. E quando pode enfim ver, por meio também das palavras de Tirésias, que aliás era cego, cegou-se, começando, tragicamente, a ver melhor ou ver mais. Édipo aqui não é o sintoma do homem vacilante, lido a contrapelo com Foucault por Daniel, nas suas Dissonâncias, mas apenas uma imagem suscitada por ambos que nos convida a pensar um pouco mais na relação entre o saber do poder e no poder do saber. Talvez agora, um pouco mais distante de nós, o pensamento de Foucault seja tão necessário e importante, e apartado de nosso olhar, talvez possamos vê-lo melhor, ou ouvi-lo, como sugere Daniel. Observe-se que o se questiona no texto que se examina é o status atual da recepção da obra de Foucault, analisando faltas e excessos para encontrar a justeza do nódulo, para além da recusa, do abandono, ou da museificação do pensador. Contra o achatamento do pensamento chato, Daniel lamenta o assassinato de Foucault em terras brasillis por parte de um neoconservadorismo que reina em nosso país. Trata-se, naturalmente, de uma (re)politização da leitura de Foucault a partir do rizoma. 

Gilles Deleuze

Gostaria de destacar uma coerência que percorre a obra crítica de Daniel. Dos ensaios que compõe “Saber é Poder”, passando pelos textos de “Dissonâncias de Foucault”, uma tendência ao pensamento das multiplicidades, uma vocação para o rizomático, para a resistência, um pendão para o estabelecimento de pontes, relações associativas, entre sistemas culturais dos mais variados, do cinema à pintura, da música à política. Trata-se a meu ver de ampliar as potências do pensamento ao operar procedimentos críticos/criativos que lhe vêm certamente também de Foucault, esse baluarte do poder/saber/inquieto, mas também de uma matemática musical que lhe aguça uma sensibilidade diferenciada, como vimos apontando desde o início.
A imagem do rizoma que percorre o texto de Daniel de certa maneira parece ser a progressão contínua e ininterrupta do rizoma que é o próprio pensamento de Foucault. Ela parece se constituir crítica e poeticamente para tratar não apenas das elucubrações do filósofo francês, mas também da forma como Daniel se relaciona com seu pensamento. Esse é o ponto que insisto. Se as dissonâncias de Foucault são sugestivas ao pensamento de Daniel é porque o seu pensamento-música devolve potência a uma zona não domesticada da filosofia, da história e da arte. 




O saber inquieto de Daniel, naturalmente, demonstra uma preocupação recorrente com as questões docentes que estão diretamente integradas à atuação científica do professor/crítico/pesquisador, cujo trabalho se volta contra uma visão funcionalista atrelada à formação de professores acríticos transformados inevitavelmente em peças dóceis do sistema em que se encontram inseridos. Destaco duas passagens:

Não formamos profissionais para o mercado, ele não dita ou não deveria ditar as regras de uma universidade pública, o mercado que só pensa na perfeição superficial deve absorver a densidade humana que formamos, com ética, com potencial crítico, com deformidades inclusive. Profissionais éticos são mais relevantes que aqueles que encenam a "moral" do negócio (GOMES, 2018, p. 19).

Devíamos formar profissionais pra eles mesmos, profissionais éticos, pessoal e socialmente competentes, interessados em filosofar, em pensar, em desobedientemente tornar complexo, em antiestetizar, em rizomatizar, estereostopicamente, contraproduzir, em questionar seus próprios status e lugares de dizer, e não profissionais individualmente competentes para o mercado, para o oponente potencial das áreas de humanidades, para o inimigo de uma dada tradição da universidade pública, gratuita e de qualidade (potencializadora de perigos para o mercado) (GOMES, 2018, p. 19).

Finalizo saudando o pensamento musical que se depreende do trabalho de Daniel de Oliveira Gomes, lembrando não só do interesse de Foucault pela música, mas também de Daniel, músico exemplar que faz dessa arte uma atividade de pensamento, ao passo que faz de seu pensamento, assim como intentou Foucault, uma arte musical que, em outras palavras, significa, acima de tudo, a poetização da existência.

REFERÊNCIAS:

ADORNO, T. Notas de Literatura. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003.
AIRA, C. Pequeno Manual de Procedimentos. Curitiba: Arte & Letra, 2007.
FOUCAULT, M. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Organização e seleção de textos: Manoel Barros da Motta. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
GOMES, D. de O. Dissonâncias de Foucault. São Paulo: Lumme Editor, 2012.
____. Nódulos de Foucault (das possibilidades rizomáticas de ainda ouvi-lo). Artigo submetido à banca para ascensão de nível. Ponta Grossa, 2018.
____. de O. Saber é poder. Jundiaí: Paco Editorial, 2015.
GOTLIB, N. B. A descoberta do mundo. In: Cadernos de Literatura Brasileira. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2004.
LISPECTOR, C. Água Viva. 5 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
____. Perto do Coração Selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
____. Um sopro de vida (Pulsações). Rio de janeiro: Rocco, 1999.
VIEIRA, A. Sermões

Texto apresentado na Banca para Professor Titular na UEPG, em Ponta Grossa (PR), em julho de 2018, na qual o professor Daniel de Oliveira Gomes ascendeu de nível, a quem agradeço pela oportunidade e parabenizo pela trajetória acadêmica



[1] Relembremos do prefácio de Albuquerque Júnior para as Dissonâncias de Foucault/Daniel. Para ele, um texto de Michel Foucault causa impacto “não apenas pelas coisas que diz, mas pela forma de dizer”. O filósofo é um pensador que impressiona, “não apenas pelo que diz, mas pela forma como o diz”. O que lemos nesse livro, segundo o prefaciador não é o pensamento de Foucault, “são e não são suas ideias retornadas através da voz, da escritura, da sonoridade produzida pelos ensaios de Daniel de Oliveira Gomes” (in GOMES, 2012, p. 11-19).
[2] Lembremos que, em um diálogo entre Foucault e P. Boulez intitulado “A música contemporânea e o público”, publicado na C.N.A.C. Magazine em 1983, Foucault falou sobre a complexidade da música erudita contemporânea e sua relação com os ouvintes em uma época regida meramente pelas leis do mercado. Para ele, não é preciso dar acesso à música rara, mas dar “uma convivência com ela menos determinada pelos hábitos e familiaridades” (2001, p. 394). O filósofo chama a atenção para o fato da evolução da música a partir de Debussy ou Stravinski apresentar correlações notáveis com a da pintura. Observou também que os problemas teóricos que a música colocou para si mesma decorrem de uma interrogação que atravessa todo o século XX: “interrogação sobre a forma, aquela de Cézanne ou dos cubistas, a de Schönberg, e também a dos formalistas russos ou a da Escola de Praga” (2001, p. 391). Penso que a preocupação com uma música de pensamento em Foucault parece se expandir também para o pensamento musical de Daniel.  

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