segunda-feira, 27 de junho de 2016

Que emoção: notas sobre um emocionado




Na palestra "Que emoção!Que emoção?", proferida a jovens com mais de dez anos, Georges Didi-Huberman, inspirado nas conferências radiofônicas de Walter Benjamin para crianças, relembra que a emoção é um ato primitivo e fazendo referência ao livro "A expressão das Emoções nos Homens e nos Animais", de Darwin, observa que para este naturalista a emoção pode ser encontrada sobretudo nos animais, nas crianças, nas mulheres, nos velhos e em povos que têm pouca relação com os europeus. Os "selvagens" a que se refere Darwin, nesse caso, estariam numa franca oposição aos ingleses que não choram "a não ser sob a pressão da dor moral mais pungente". Sob a égide dessa curiosa polaridade, centrada na existência de sujeitos que se emocionam e de sujeitos que não se emocionam, nasce a expressão típica de que o sujeito que expõe sua emoção aos outros, como que expondo sua própria nudez, seria patético. E tal argumento, na maior parte das vezes, viria carregado de um certo desprezo. Emocionar-se é uma vergonha.
            Invertendo a carga negativa do choro, da emoção, bem como da exposição desse sentimento, Didi-Huberman reconhece que aquele que se comove diante dos outros não merece desprezo: "Ele expõe a sua fraqueza, ele expõe o seu impoder, ou a sua impotência, ou a sua impossibilidade de 'enfrentar', de fazer boa figura, como se costuma dizer". Nesse sentido, mostrar uma emoção implica num ato de honestidade, na recusa de um fingimento. Trata-se, portanto, de um ato de coragem.
            Se para Kant a emoção é entendida com o "defeito da razão", para Hegel as coisas vivas têm o privilégio da dor. Essa tragédia exuberante, como sabemos, em Nietzsche, terá seu valor positivo restituído. Didi-Huberman lembra que o pensamento filosófico a partir de então se modificará profundamente. O filósofo do trágico se debruçará pela poesia, pela arte e literatura mais do que pelas verdades eternas de uma filosofia dogmática: "Depois de Nietzsche, os filósofos comovem-se um pouco mais (...)". E a partir de Bergson as emoções serão entendidas como gestos ativos, gestos de paixão, movimento, portanto, na expressão "patético" o sentido aristotélico da forma passiva "pathos" (paixão ligada à impossibilidade de agir) daria lugar a um gesto ativo, a emoção entendida como e-moção, moção, um movimento que consiste em colocar-nos para fora de nós mesmos. A emoção produz, a emoção gera, nos move, se movimenta. Não é à toa que Aby Warburg, aliás lido amplamente por Didi-Huberman e citado na palestra, tenha se dedicado tanto a sua "pathosformel", preocupado em pensar na historicidade das emoções, na vida das imagens postas em movimento, programa materializado em seu Atlas Mnémosine.

Didi-Huberman

            Seguindo ainda o pensamento emocionado de Didi-Huberman, lembremos que as emoções, pensadas como moções, movimentos, comoções, são também transformações daqueles que estão comovidos:

Transformar-se é passar de um estado a outro: está então bem reforçada a nossa ideia de que uma emoção não pode se definir como um estado de pura e simples passividade. É mesmo através das emoções que podemos, eventualmente, transformar o nosso mundo, na condição, é certo, de que elas se transformem elas próprias em pensamentos e ações (DIDI-HUBERMAN).

            Brota daí, por exemplo, a leitura que o teórico faz do filme O Couraçado Potemkine, de Eisenstein, no qual em uma de suas passagens - a das mulheres que choram e se recolhem diante do cadáver do marinheiro assassinado -, a tristeza do luto se transforma em cólera surda para depois se transformar em discursos políticos e cantos revolucionários, ou seja em uma "cólera exaltada". Do luto à luta. Da lágrima da emoção à moção das armas. Se não podemos certamente fazer política real apenas com sentimentos, ensina-nos Didi-Huberman, "também certamente não podemos fazer boa política desqualificando as nossas emoções (...)"(DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 45). 


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