sábado, 1 de abril de 2017

Grande Sertão: Veredas, o bildungsroman do Brasil

 


Willi Bolle, em grandesertão.br, considera Grande Sertão: Veredas uma reescrita crítica de Os Sertões, de Euclides da Cunha. Segundo o pesquisador, Guimarães Rosa organiza a sua narração em forma de redes temáticas, uma espécie de network, no qual o sertão é o mapa alegórico do Brasil; o sistema jagunço, a instituição entre a lei e o crime; o pacto com o diabo, a alegoria de um falso pacto social; a figura de Diadorim, o desafio para desvendar o dissimulado e o desconhecido; e a fala do povo, o próprio labirinto da língua. Essa rede serve de meio para observar e investigar a rede dos discursos sobre o país. Dessa maneira, a leitura de Willi Bolle se inscreve numa linhagem interpretativa que analisou no texto rosiano a experiência histórica. Mas nesse caso, uma experiência interpretada, à luz de um modelo dialético, a partir das experiências de linguagem. Ou seja, o problema externo é incorporado ao romance como um elemento de composição interno (situação narrativa, linguagem, etc).

Para Bolle, Rosa, ao contrário de Euclides da Cunha, trata o povo não como um objeto de estudo e de teorias, mas como sujeito capaz de inventar e narrar sua própria história. A análise de Bolle poderia ser menos sociológica, no entanto, a obra crítica é bem fundamentada e ilumina muitos detalhes do livro de Rosa. Pequenos detalhes como a análise do mapa que compõe uma de suas edições, criado por Poty Lazarotto e Guimarães,são bastante interessantes.

Willi Bolle compara o romance de Guimarães com os principais ensaios de formação, de Euclides da Cunha a Darcy Ribeiro, passando por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Raimundo Faoro, Antonio Candido e Florestan Fernandes. A hipótese de Bolle é a de que por ser uma história a partir do Mal, Grande Sertão revela mais sobre as estruturas sociais e políticas do que o padrão dos bem-intencionados programas escolares. O discurso do narrador luciférico do livro aguça a nossa sensibilidade para aquelas formas do falso no espaço público, observadas por Walnice Nogueira Galvão, em texto sobre Guimarães Rosa. A tese de Willi Bolle é que o romance de Guimarães é o mais detalhado estudo de um dos problemas cruciais do Brasil: a falta de entendimento entre as classes dominantes e as classes populares, o que constitui um sério obstáculo para a verdadeira emancipação do país. Ao comparar o Grande Sertão: Veredas com os referidos ensaios sociológicos e historiográficos, o pesquisador chegou à conclusão de que esse livro é o romance de formação do Brasil. Não no sentido convencional do bildungsroman, que está centrado no indivíduo em oposição do romance social. É o romance de formação do país, e não de um indivíduo, na medida em que o autor, por meio da invenção da linguagem, “refinou o medium para esse país se pensar a si mesmo”.




Com isso, Willi Bolle se afasta da tendência da recepção (1950 – 1990), que privilegiou leituras existenciais, esotéricas e metafísicas, que tentaram explicar a obra. Outra tendência da qual Bolle se afasta é aquela que, na época da ditadura militar, aniquilou o ethos histórico. Com isso, o crítico tenta recuperar uma leitura da história, ausente até então.

Para Walnice Nogueira Galvão, Rosa dissimula a História para melhor desvendá-la. O próprio escritor chegou a afirmar no prefácio do livro Tutaméia que a história quer ser estória.    Guimarães Rosa, apesar de se inscrever na linhagem das obras de formação do Brasil, delas se fasta em vários aspectos. Distancia-se, por exemplo da grandiloquência de Euclides da Cunha. Através da reinvenção da linguagem, Rosa não se limita a escrever sobre o povo, como o autor de Os Sertões, mas faz com que as pessoas do povo sejam elas mesmas donos das palavras. O mesmo se dá com a representação do espaço: “O olhar de Guimarães Rosa sobre o sertão é o exato oposto das vistas euclidianas do alto: é uma perspectiva rasteira. Enquanto o ensaísta-engenheiro sobrevoa o sertão como num aeroplano, o romancista caminha por ele como por uma estrada texto. Ou então ele atravessa o sertão como um rio. Com a transformação do sertão em espaço labiríntico, Rosa recupera o desenho de um Brasil recalcado, que Euclides e os adeptos do desenvolvimentismo, com sua mítica fé no progresso, fazem de conta que se apagará. Para Bolle, a razão de ser histórica do discurso labiríntico de Guimarães Rosa é constatar a visão linear e progressista da história em Euclides.


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