domingo, 30 de abril de 2017

quando morre o poeta



à memória de Belchior


Ele abandonou a faculdade de medicina e muitas outras coisas banais. Entre elas, um quarto de hotel, a carreira de cantor bem sucedido, e dois carros, um Sonata Hyundai branco, deixado no Aeroporto de Congonhas, e outro, um Mercedes, num estacionamento perto de seu apartamento. E se você se perguntar onde ele andou, ou onde andará, no escritório em que trabalha ou conversando com pessoas, se ainda tem dinheiro no banco, se ainda tem medo de avião, se ainda tem vinte e cinco anos de sonho e de sangue e de América do Sul, e se ainda acredita na ideia de uma nova consciência, ou se uma mudança em breve ainda vai acontecer, ou se o tango ainda lhe vai melhor que o blues, ou se ainda anda encantado com uma nova invenção, e se ainda sabe de tudo na ferida viva de seu coração, e se ainda tem chorado pra cachorro, e se como o poeta, Bilac ou Dante, em sua Divina Comédia Humana, ainda consegue ouvir estrelas, vai saber que sim. E que esqueceu, abandonou ou fugiu foi porque, feito um Rimbaud latino-americano folk, não fake, teve pressa de viver, pelo jeito de deixar sempre de lado a certeza e arriscar tudo de novo com paixão.

c.moreira

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