domingo, 8 de outubro de 2017

às 15h30, numa tarde outubro de 2013, na praça Coronel Amazonas


inspirado em G. Perec, em Tentative d'épuisement d'un lieu parisien




Na praça, ao lado de um poste, cuja copa tridente faz lembrar a lança furiosa de um Júpiter, Zeus ou Jove, uma senhora, nada furiosa, de tênis com cadarço vermelho, pita um Palermo, ou será um Marlboro, Charme ou Hilton, ou Free Azul ou Cinza? Talvez esteja pensando que é hora de parar ou apenas planejando o jantar de hoje, almôndegas ao molho, depois sobremesa com o marido, ou apenas novela das oito. Não muito longe, um casal jovem se aproxima, senta-se na grama, conversa. Ele segura um celular vermelho, tão vermelho quanto o cadarço da senhora que fuma um Palermo, ou Marlboro, Charme ou Hilton, Free Azul ou Cinza. Ele segura o celular vermelho, mira na moça, tira uma foto. Mostra para ela a imagem. A moça sorri. Ela veste uma calça branca florida, camiseta cor de rosa, como a da senhora que fumava e que agora não está mais ao lado do poste. A moça mexe na bolsa, também cor de rosa, sem tirar o olho do celular, ou melhor, da imagem, que é também a sua. Teria a máquina captado a luz desta tarde de sol e passarinho? Há alguns passos atrás do casal, dois senhores tagarelam, sem perder a pose de aposentados honestos e honrados. Quais serão os seus pecados? O menos velho, de bigode e boné azul, cruza os braços e ri. De quê, meu Deus? Que falam? Governo, bandido, família, paixão? Enquanto isso, estudantes, ou seja, pombos elétricos, vão se movendo pela praça, desenhando um contorno invisível e não menos febril. Passa um homem rápido, de bicicleta. Falta-me o tempo suficiente para capturá-lo com eficácia na lembrança do lápis e papel. O tempo é sempre a alma do negócio. Lembro apenas do chapéu e do cigarro na mão esquerda. Na mão esquerda como a da senhora de cadarços vermelhos e camiseta rosa. Uma dama loira de blusa azul, azul como o boné do senhor do bigode de braços cruzados que ri, lê em um banco mais distante. Que livro será? Miro melhor. Ou escreve em um caderno também azul? Minha miopia impede de saber. No prédio da antiga Prefeitura decifro o mistério de tanto rosa por aí. Como pude esquecer, estamos em outubro. Pergunto-me o que aproxima tantas pessoas além do rosa e do azul que nos cobre e envolve nesta tarde de sol e passarinho, por sobre o boné azul do senhor do bigode, de braços cruzados que ri, ou do rosa da camiseta de senhora de cadarços vermelhos, que fuma um Palermo, ou Marlboro, Charme ou Hilton, Free Azul ou Cinza. Talvez o movimento. É isso, pessoas na praça são cores em movimento

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