Há cinquenta anos, na
noite de 21 de outubro de 1967, no auge do governo militar, o Brasil assistia
pela televisão à final do 3° Festival da Música Popular Brasileira que, lotando
o Teatro Paramount, no Rio de Janeiro, reuniu finalistas como Roberto Carlos,
Sérgio Ricardo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Edu Lobo. Os
efeitos musicais daquela noite reverberam até hoje na cultura de nosso país,
pois daquela disputa e encontro históricos saíram os grandes nomes de nossa
MPB, bem como se delinearam os futuros caminhos de nossa música. Logo depois do
Festival, Caetano e Gil implantariam sua revolução tropicalista, Chico Buarque
mergulharia em uma empreitada crítica à ditadura militar com suas canções de
protesto e Roberto Carlos – que já vinha se projetando nacionalmente com a
Jovem Guarda – se consolidaria definitivamente como nosso grande cantor
popular. Digo que o Festival reverbera até hoje também, porque todos os
artistas citados continuam produzindo significativamente. Chico Buarque acaba
de lançar “Caravanas”, com nove faixas, sendo delas sete inéditas, demonstrando,
assim, seu permanente vigor como compositor e intérprete. Caetano está
realizando com seus filhos – desde o dia 14 de outubro - a turnê “Caetano
Moreno Zeca Tom Veloso” que será registrada em disco. Gilberto Gil está com
álbum gravado - prestes a ser lançado - no qual aborda temas familiares e seu
recente tratamento de saúde. Paralelamente a esse projeto, o cantor/compositor
tem comemorado os 40 anos do clássico “Refavela” e formado com Nando Reis e Gal
Costa uma “Trinca de Ases”, em uma série de shows. Roberto Carlos segue firme
naquele ritmo já conhecido que vai desde sua turnê em cruzeiros, passando pelos
especiais da Globo com direito a tema na novela das nove, sereia etc e tal.
Aquele Festival de 67 realmente ainda não terminou.
Na noite do Festival,
Sérgio Ricardo promoveu um dos episódios mais curiosos de nossa história
musical, sendo duramente criticado e desclassificado depois de se recusar a
cantar devido às intensas vaias e de quebrar o violão no palco para depois
jogá-lo sobre a plateia. Em um depoimento que integra o documentário “Uma noite
em 67”, dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, o compositor diz não se arrepender
do fato - fruto dos ânimos exaltados da época -, mas afirma que hoje não faria
o mesmo. O quinto lugar ficou para Roberto Carlos, que cantou “Maria, Carnaval
e Cinzas”, de autoria de Luiz Carlos Paraná. A música é linda e foi bem
interpretada, no entanto ficou ofuscada pelas demais concorrentes, que se
tornaram clássicas desde aquela noite. Caetano participou com “Alegria, Alegria”,
que inovava não só no arranjo que tinha como base as guitarras elétricas dos
Beat Boys, mas também com uma letra inusitada para a época ao fazer, por meio
de uma colagem poética cubista, referências à Coca-Cola, ao jornal alternativo “O
Sol”, à Claudia Cardinale, entre outros elementos típicos da cultura
contemporânea. A canção ficou em quarto lugar. A terceira colocada, “Roda Viva”,
de Chico Buarque, com acompanhamento do grupo MPB4, encantou o público com seus
jogos vocais e posicionamento crítico em relação à realidade da época. O samba-canção
de Chico integraria no final do mesmo ano a peça teatral que teria o mesmo nome
da música. O segundo ficou para Gilberto Gil que, ao lado dos Mutantes,
interpretou “Domingo no Parque”, contando com arranjo orquestral de Rogério
Duprat. A música, de estrutura circular, que narra uma tragédia envolvendo
paixão, ciúme e assassinato, é muito rica na sua construção estética e
mereceria um artigo à parte. A canção campeã foi “Ponteio”, de Edu Lobo e
Capinam, interpretada por, além de Edu, Marília Medalha e dos grupos Momento
Quatro e Quarteto Novo. O primeiro lugar consagrava naquele ano uma linhagem
mais tradicional da Música Popular Brasileira que de certa forma se colocava em
franca oposição às novidades tropicalistas da guitarra elétrica e à onda do
Iê-iê-iê da Jovem Guarda. De um lado Edu Lobo, Chico Buarque, Elis Regina, Jair
Rodrigues, de outro, Gil, Caetano, Mutantes, Tom Zé etc. Todos filhos da Bossa
Nova e desse Brasil musicalmente colorido e plural. Não seria fortuito lembrar
que no mesmo ano, alguns meses antes do Festival, ocorrera a famosa “Passeata
contra a Guitarra Elétrica”, na qual defensores e integrantes de uma linhagem
mais tradicional da MPB se voltavam contra as fortes influências do rock and
roll na música brasileira. Foi um período muito fértil de nossa história que
sobrevive até os nossos dias. Lembrando de Guimarães Rosa, poderíamos dizer que
aquela noite não morreu, ficou encantada.
Publicado originalmente no jornal Caiçara,
de União da Vitória, em 28 de outubro de 2017
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