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"Eu existo (resisto)!": apontamentos sobre uma fotografia de Pierre Verger
Passeando por um livro de fotos do Pierre Verger, encontro uma imagem que se me afigura de uma beleza profunda ao passo que me suscita a impressão de dèjá vu. Não à toa. A legenda da foto informa ter ela sido tirada no Convento de São Francisco, em Salvador, entre 1946 e 1948. Procuro entre as fotografias que tirei na capital da Bahia, em 2014, e encontro a reprodução que fiz do mesmo afresco. Feliz coincidência! O conjunto que chamou minha atenção, imagino, tocou fundo em Pierre Verger, caso contrário não existiria a sua foto para atestar o fato. Conheço muito pouco da história do Convento e Igreja de São Francisco - chamada também de Igreja de Ouro -, mas dá para perceber os hibridismos culturais que tanto marcaram a arte latino-americana. Impressionam os elementos barrocos de uma Arte da Contraconquista (como Lezama Lima tratou o barroco latino-americano, numa alusão à forma como o movimento foi designado na Europa: arte da Contra-Reforma), já que, no interior da edificação, máscaras africanas foram esculpidas - discretamente e quase escondidas entre os pilares -, bem como bustos de mulheres nuas (possivelmente ciganas árabes). A foto de Verger e a minha não mostram, mas elas estão lá, as índias nuas, esculpidas não muito longe do altar (A igreja pudica teria mandado cobrir sua nudez em séculos posteriores). Teriam sido escravos aqueles que esculpiram ou ajudaram a talhar seus altares? Teriam deixado suas marcas ali, elementos de suas culturas, como símbolos eternos de resistência? A suntuosidade da estética europeia contrasta com os elementos das culturas africana e oriental, apontando para a antropofagia cultural que, segundo Lezama Lima, teria gerado o nosso barroco. O homem barroco latino-americano, mestiço por excelência (como foi Aleijadinho na vida e na arte), teria provado ao colonizador ser tão ou mais capaz que ele para produzir arte. Conhecendo o código europeu e, ao mesmo tempo, inserindo elementos de sua cultura em sua obra, teria assim sussurrado a futuras gerações: "Eu existo (resisto)"!.
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