Entrevista que realizei com o poeta Nicolas Behr, em 2010, publicada no extinto jornal Urtiga!
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Paulo Leminski, no desconhecido ensaio “Ler uma cidade: o alfabeto das ruínas”, publicado na década de 80, afirmou que de todos os edifícios, só um o interessava, a ruína. Para o poeta, era a ruína, resto de um sonho realizado, que dava sentido à cidade. Leminski lembra da atitude dos beatos seguidores de São Francisco de Assis que optaram por construir uma igreja que não passasse da primeira etapa. Começariam a construí-la e abandonariam a obra, construindo assim apenas uma ruína, com a pretensão de deixar um monumento gritante a todas as vaidades que juraram abandonar. Foi em Brasília que Leminski teve essa intuição. Ciceroneado pelo poeta Nicolas Behr, que lhe mostrou a arquitetura de Niemeyer, o curitibano se impressionou com o primeiro andar de um edifício interrompido, um começo de prédio com a ferrugem interna aparecendo, saindo de dentro do cimento armado, “como as tripas de um aborto ou a primeira quadra de um soneto inacabado”. Diz Leminski: “Behr, que ama Brasília até a insensatez, me tirou do pasmo, explicando que realmente era um prédio interrompido, que assim foi deixado para dar um toque humano àquela paisagem sublunar de ficção científica”.
A Brasília de Behr não é apenas o cartão postal de um Brasil moderno, cuja arquitetura tem em sua base os pilares/cariátides de Le Corbusier, Lúcio Costa e Niemeyer. A Brasília de Behr é também ambígua, complexa, e até mesmo o sintoma de uma ruína: “Como Brasília poderia dar certo com o Brasil em volta?”, pergunta o poeta.
Para Luiz Ruffato, “o brasiliense (de adoção) Nicolas Behr, que já foi um dia um poeta marginal - tão marginal que acabou preso pela Polícia Federal em plena ditadura militar, por escrever poemas -, virou cult, e agora parece ter sido adotado oficialmente pela inteligência, com tudo de bom e ruim que isso implica”. Já para Francisco Kaq, Behr foi, de todos os poetas marginais, o mais efetivamente oswaldiano, ao explorar uma poesia anti-retórica, coloquial e sintética. Lembremos que o humor é um dos traços principais de Oswald de Andrade. Em Behr, esse humor parece também povoar a leitura crítica que ele desenvolve da cidade: “blocos, eixos / quadras / senhores, esta cidade / é uma aula de geometria”. Vale a pena ler Brasília assim, como um alfabeto das ruínas de sua utopia. Behr, poeta marginal sobrevivente, se caracterizou como um dos mais curiosos moradores da Capital Federal dos fracassos. Agora, além fazer poesia, é também cultivador de plantas. O viveiro que administra é responsável pelo seu sustento e a literatura que produz é também responsável pelo nosso. O jornal urtiga! conversou com o poeta de Chá com Porrada e Poesília. a entrevista pode ser conferida abaixo.
A Brasília de Behr não é apenas o cartão postal de um Brasil moderno, cuja arquitetura tem em sua base os pilares/cariátides de Le Corbusier, Lúcio Costa e Niemeyer. A Brasília de Behr é também ambígua, complexa, e até mesmo o sintoma de uma ruína: “Como Brasília poderia dar certo com o Brasil em volta?”, pergunta o poeta.
Para Luiz Ruffato, “o brasiliense (de adoção) Nicolas Behr, que já foi um dia um poeta marginal - tão marginal que acabou preso pela Polícia Federal em plena ditadura militar, por escrever poemas -, virou cult, e agora parece ter sido adotado oficialmente pela inteligência, com tudo de bom e ruim que isso implica”. Já para Francisco Kaq, Behr foi, de todos os poetas marginais, o mais efetivamente oswaldiano, ao explorar uma poesia anti-retórica, coloquial e sintética. Lembremos que o humor é um dos traços principais de Oswald de Andrade. Em Behr, esse humor parece também povoar a leitura crítica que ele desenvolve da cidade: “blocos, eixos / quadras / senhores, esta cidade / é uma aula de geometria”. Vale a pena ler Brasília assim, como um alfabeto das ruínas de sua utopia. Behr, poeta marginal sobrevivente, se caracterizou como um dos mais curiosos moradores da Capital Federal dos fracassos. Agora, além fazer poesia, é também cultivador de plantas. O viveiro que administra é responsável pelo seu sustento e a literatura que produz é também responsável pelo nosso. O jornal urtiga! conversou com o poeta de Chá com Porrada e Poesília. a entrevista pode ser conferida abaixo.
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Obras publicadas:
Livros Mimeografados
Iogurte com Farinha; Grande Circular; Caroço de Goiaba;
Chá com Porrada; Bagaço; Com a Boca na Botija; Parto do Dia; Elevador de serviço; PoeSia Nisso;Entre Quadras; Brasiléia Desvairada; Saída de Emergência; Kruh; l2 Noves Fora W3 ; Porque Costruí Braxília; Beijo de Hiena; Pelas Lanchonetes dos Casais Felizes; Segredo Secreto.
Impressos em off-set
Poesília; Menino Diamantino,
Braxília; Eu Engoli Brasília; Peregrino do Estranho.
POEMAS DE NICOLAS BEHR
"A superquadra nada mais é
do que a solidão dividida em blocos"
"brasília nasceu de um gesto primário.
dois eixos se cruzando. ou seja, o próprio
sinal da cruz. como quem pede benção
ou perdão"
"eu sei que errei
mas prometo
nunca mais
usar a palavra certa"
"Quem teve a mão decepada
levante o dedo"
"desço aos infernos
pelas escadas rolantes
da rodoviária de Brasília
meu corpo boiando
no óleo que ferve
um pedaço do teu coração
num pastel de carne"
"no princípio era a lama
a lama virou cama
e a cama virou câmara
onde eles legislam
deitam e rolam
brasília é o fracasso
mais bem planejado
de todos os tempos"
Livros Mimeografados
Iogurte com Farinha; Grande Circular; Caroço de Goiaba;
Chá com Porrada; Bagaço; Com a Boca na Botija; Parto do Dia; Elevador de serviço; PoeSia Nisso;Entre Quadras; Brasiléia Desvairada; Saída de Emergência; Kruh; l2 Noves Fora W3 ; Porque Costruí Braxília; Beijo de Hiena; Pelas Lanchonetes dos Casais Felizes; Segredo Secreto.
Impressos em off-set
Poesília; Menino Diamantino,
Braxília; Eu Engoli Brasília; Peregrino do Estranho.
POEMAS DE NICOLAS BEHR
"A superquadra nada mais é
do que a solidão dividida em blocos"
"brasília nasceu de um gesto primário.
dois eixos se cruzando. ou seja, o próprio
sinal da cruz. como quem pede benção
ou perdão"
"eu sei que errei
mas prometo
nunca mais
usar a palavra certa"
"Quem teve a mão decepada
levante o dedo"
"desço aos infernos
pelas escadas rolantes
da rodoviária de Brasília
meu corpo boiando
no óleo que ferve
um pedaço do teu coração
num pastel de carne"
"no princípio era a lama
a lama virou cama
e a cama virou câmara
onde eles legislam
deitam e rolam
brasília é o fracasso
mais bem planejado
de todos os tempos"
ENTREVISTA COM O POETA NICOLAS BEHR
Nicolas, que é a poesia para você?Poesia é tudo isso que você está sentindo agora.
É sempre um problema compartimentar tendências, enquadrando poetas em movimentos, como quem guarda um livro em uma gaveta. Mas imaginemos que existiu, ou ainda existe, uma poesia marginal, enquanto movimento. Para você, o que significou ter participado da “geração mimeógrafo”?
A chamada "Poesia Marginal" é um movimento dos anos 70 e lá deve ficar. Mas talvez a poesia tenha sempre sido e sempre será "marginal" porque provoca, instiga, cutuca. Pra mim foi um privilégio muito grande participar da "geração mimeógrafo" ( prefiro este nome à poesia marginal ) e, olha, eu era bom naquilo. Escrevia, imprimia e vendia. Uma relação orgânica com o livro, zero de distância entre o poeta e o público. Poesia de jovem pra jovem. Ruptura.
Ser um poeta marginal é uma condição ou uma opção?
Prefiro que me chamem só de "poeta", já tá bom e pesa bastante. Na verdade todos os poetas tem a sua fase marginal. Bandeira, Drummond e Cabral financiaram seus primeiros livros do próprio bolso. Todo poeta tem a sua fase heróica, digamos. Eu tento estender a minha até onde posso. Participo de saraus, vendo meus livros em eventos literários, não mais de mão-em-mão nos bares, como fazia nos anos 70.
O espontaneísmo parece ter sido o grande triunfo da poesia marginal. O gesto entendido como mais importante que o próprio poema. Mas isso não vale para todos os poetas. Até que ponto podemos chamar de marginal uma produção mais “requintada”, que tinha pretensões literárias, como a de Ana Cristina Cesar, Waly Salomão e Chico Alvim?
Convencionou-se chamar de "poesia marginal " a poesia dos anos 70, mas nem todos escreviam do mesmo jeito, nem todos vendiam livros de mão em mão. Ana Cristina Cesar e Chico Alvim são dois exemplos, de refinamento, sim. Mas mesmo eles tem um quê de espontaneidade, mas bem mais trabalhada. Claro, naquele vale- tudo muita coisa foi pro lixo e muita coisa se salvou. Talvez não se tenha publicado tanta poesia, em papel impresso, como naquela época. E do meio do lixo é que saiu um Leminski, um Cacaso, um Chacal. A qualidade saiu da quantidade. Hoje talvez se publique mais, mas em tela ( blogs) e não mais tanto em papel.
Hoje, a poesia marginal virou “cult”, tema até de teses acadêmicas. Você acredita que a “institucionalização” dessa poesia dinamitou a própria intenção do movimento?A tradição é feita de mini-rupturas, que vão se juntando, se juntando, até formar novas tradições. Eu já fui objeto de 3 dissertações de mestrado. A chamada "poesia marginal " bagunçou o coreto literário nos anos 70. Tirou o terno e a gravata da poesia, informalizou. Escancarou. Riu de si mesma. Acho que a poesia marginal representou um grande avanço, na democratização da poesia, novos públicos, novos leitores, novos meios. Experimental.
Leminski, em um ensaio da década de 80, comenta que quando visitou Brasília, foi ciceroneado por Nicolas Behr. Você teria apresentado a ele as belezas arquitetônicas de Niemeyer. Mas o que chamou a atenção de Leminski foi um prédio em ruínas, o que o levou a desejar ser um “anarquiteto de desengenharias”. Você lembra desse encontro? E mais, ser poeta em Brasília não significa ser uma espécie de “anarquiteto de desengenharias”?
Lembro-me muito bem desse encontro. Grande Leminski, Grande influência, da qual muito me orgulho. Ser poeta em Brasília é ir contra o poder, contra a burocracia, contra a corrupção. Por isso criei BraXília, com "x" mesmo. Uma cidade não-capital, não-poder.
A sua relação com tua cidade parece ser de amor e ódio, como nos namorados. Continua achando que Brasília é o fracasso mais bem planejado de todos os tempos?
Brasília foi uma bela tentativa. A generosidade, e, por outro lado, uma certa ingenuidade, dos seus criadores foi imensa. Queriam construir uma cidade socialista num país capitalista. E deu no que deu: Brasília espelho do Brasil. Minha relação com Brasília é difícil, e mantenho isso, esse conflito. Daí nasce minha poesia. No dia em que eu fizer as pazes com Brasília minha poesia acaba. Sim, é um amor difícil, um amor irascível. Mas um amor muito forte, por outro lado. Brasília é a minha obsessão poética. Brasília é uma cidade que me traumatiza. Para o bem.
Você acredita que existe espaço ainda para um livro de poesia numa cueca recheada de dinheiro? Que significa ainda fazer poesia no mundo de hoje?
Poesia é resistência. E enquanto o homem viver haverá poesia, pois o homem será sempre emoção, sentimento. Se o homem for fazer uma base na lua quem for há de escrever poemas, um dia. Não tem como escapar.
É sempre um problema compartimentar tendências, enquadrando poetas em movimentos, como quem guarda um livro em uma gaveta. Mas imaginemos que existiu, ou ainda existe, uma poesia marginal, enquanto movimento. Para você, o que significou ter participado da “geração mimeógrafo”?
A chamada "Poesia Marginal" é um movimento dos anos 70 e lá deve ficar. Mas talvez a poesia tenha sempre sido e sempre será "marginal" porque provoca, instiga, cutuca. Pra mim foi um privilégio muito grande participar da "geração mimeógrafo" ( prefiro este nome à poesia marginal ) e, olha, eu era bom naquilo. Escrevia, imprimia e vendia. Uma relação orgânica com o livro, zero de distância entre o poeta e o público. Poesia de jovem pra jovem. Ruptura.
Ser um poeta marginal é uma condição ou uma opção?
Prefiro que me chamem só de "poeta", já tá bom e pesa bastante. Na verdade todos os poetas tem a sua fase marginal. Bandeira, Drummond e Cabral financiaram seus primeiros livros do próprio bolso. Todo poeta tem a sua fase heróica, digamos. Eu tento estender a minha até onde posso. Participo de saraus, vendo meus livros em eventos literários, não mais de mão-em-mão nos bares, como fazia nos anos 70.
O espontaneísmo parece ter sido o grande triunfo da poesia marginal. O gesto entendido como mais importante que o próprio poema. Mas isso não vale para todos os poetas. Até que ponto podemos chamar de marginal uma produção mais “requintada”, que tinha pretensões literárias, como a de Ana Cristina Cesar, Waly Salomão e Chico Alvim?
Convencionou-se chamar de "poesia marginal " a poesia dos anos 70, mas nem todos escreviam do mesmo jeito, nem todos vendiam livros de mão em mão. Ana Cristina Cesar e Chico Alvim são dois exemplos, de refinamento, sim. Mas mesmo eles tem um quê de espontaneidade, mas bem mais trabalhada. Claro, naquele vale- tudo muita coisa foi pro lixo e muita coisa se salvou. Talvez não se tenha publicado tanta poesia, em papel impresso, como naquela época. E do meio do lixo é que saiu um Leminski, um Cacaso, um Chacal. A qualidade saiu da quantidade. Hoje talvez se publique mais, mas em tela ( blogs) e não mais tanto em papel.
Hoje, a poesia marginal virou “cult”, tema até de teses acadêmicas. Você acredita que a “institucionalização” dessa poesia dinamitou a própria intenção do movimento?A tradição é feita de mini-rupturas, que vão se juntando, se juntando, até formar novas tradições. Eu já fui objeto de 3 dissertações de mestrado. A chamada "poesia marginal " bagunçou o coreto literário nos anos 70. Tirou o terno e a gravata da poesia, informalizou. Escancarou. Riu de si mesma. Acho que a poesia marginal representou um grande avanço, na democratização da poesia, novos públicos, novos leitores, novos meios. Experimental.
Leminski, em um ensaio da década de 80, comenta que quando visitou Brasília, foi ciceroneado por Nicolas Behr. Você teria apresentado a ele as belezas arquitetônicas de Niemeyer. Mas o que chamou a atenção de Leminski foi um prédio em ruínas, o que o levou a desejar ser um “anarquiteto de desengenharias”. Você lembra desse encontro? E mais, ser poeta em Brasília não significa ser uma espécie de “anarquiteto de desengenharias”?
Lembro-me muito bem desse encontro. Grande Leminski, Grande influência, da qual muito me orgulho. Ser poeta em Brasília é ir contra o poder, contra a burocracia, contra a corrupção. Por isso criei BraXília, com "x" mesmo. Uma cidade não-capital, não-poder.
A sua relação com tua cidade parece ser de amor e ódio, como nos namorados. Continua achando que Brasília é o fracasso mais bem planejado de todos os tempos?
Brasília foi uma bela tentativa. A generosidade, e, por outro lado, uma certa ingenuidade, dos seus criadores foi imensa. Queriam construir uma cidade socialista num país capitalista. E deu no que deu: Brasília espelho do Brasil. Minha relação com Brasília é difícil, e mantenho isso, esse conflito. Daí nasce minha poesia. No dia em que eu fizer as pazes com Brasília minha poesia acaba. Sim, é um amor difícil, um amor irascível. Mas um amor muito forte, por outro lado. Brasília é a minha obsessão poética. Brasília é uma cidade que me traumatiza. Para o bem.
Você acredita que existe espaço ainda para um livro de poesia numa cueca recheada de dinheiro? Que significa ainda fazer poesia no mundo de hoje?
Poesia é resistência. E enquanto o homem viver haverá poesia, pois o homem será sempre emoção, sentimento. Se o homem for fazer uma base na lua quem for há de escrever poemas, um dia. Não tem como escapar.
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