Para compreendermos como se deu a formação do
romance no Brasil é importante traçarmos um rápido panorama sócio-histórico,
tendo em vista que o surgimento deste gênero entre nós não está desvinculado
das transformações ocorridas no século XIX, seja no Brasil ou na Europa.
Em 1808, com a vinda da Família Real,
redesenha-se o mapa social e político do nosso país. A literatura não ficou
imune a essas transformações. O Brasil, ao ser elevado à sede provisória da
coroa portuguesa, transforma-se rapidamente. A causa da viagem, como sabemos,
se encontra na figura de Napoleão que, naquele período era senhor absoluto da
Europa. Seus exércitos haviam dominado grande parte do continente europeu, numa
sucessão de vitórias surpreendentes. Só não haviam conseguido subjugar a
Inglaterra. Protegidos pelo Canal da Mancha, os ingleses tinham evitado o
confronto direto em terra com as forças de Napoleão. Ao mesmo tempo, haviam se
afirmado como senhores dos mares na batalha de Trafalgar, em 1805, quando sua
Marinha de guerra, sob o comando de Lord Nelson, destruiu, no Mediterrâneo, as
esquadras combinadas da França e da Espanha. Napoleão reagiu decretando o
bloqueio continental, medida que previa fechamento dos portos europeus ao
comércio do produtos britânicos. Suas ordens foram imediatamente obedecidas por
todos os países, com uma única exceção: o pequeno e desprotegido Portugal.
Família Real Portuguesa
Pressionado pela Inglaterra, sua tradicional aliada, D. João ainda relutava em
ceder às exigências do Imperador. Por essa razão, em novembro de 1807, tropas francesas
marchavam em direção a Portugal, prontas para invadir o país e destronar seu
príncipe regente. Dom João tinha três alternativas: Ceder às pressões de
Napoleão e aderir ao bloqueio continental; Aceitar a oferta dos ingleses e
embarcar para o Brasil; ficar em Portugal e enfrentar Napoleão ao lado dos
ingleses. A decisão de D. João foi no mínimo curiosa. Enquanto negociava com os
ingleses, enviou uma correspondência a Napoleão concordando com as prerrogativas.
Era tudo um faz-de-conta planejado para fazer o Imperador francês pensar que
estava conquistando o apoio dos portugueses. Portugal era um país relativamente
pobre. Dependia quase que exclusivamente do extrativismo, não era um país
industrialmente desenvolvido. Em 29 de Novembro de 1807, a família real partiu
para o Brasil em três navios, ao todo 16 navios participaram da operação. Entre
10 000 e 15 000 pessoas acompanharam o príncipe. O grupo incluía pessoas da
nobreza, conselheiros reais e militares, juízes, advogados, comerciantes e suas
famílias. Também camareiros, pajens, cozinheiros e cavalariços.
Debret
Quando chegou ao Brasil, o príncipe regente abriu
os portos para a Inglaterra, para corresponder ao acordo feito para que
trouxessem a família real para o Brasil. O Brasil se integrava ao sistema
internacional de produção e comércio como uma nação autônoma. Pode construir
indústrias, abertura de novas estradas, regiões foram mapeadas; introdução do
ensilo leigo e superior; criada a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional, o
Jardim Botânico e o Real Teatro de São João, Gazeta do Rio de Janeiro (primeiro
jornal publicado em território nacional), empreendimentos civilizatórios. O
maior desses empreendimentos foi a contratação, em Paris, da famosa Missão
Artística Francesa. Chefiada por Joaquim Lebreton, a missão chegou ao Brasil
1816 e era composta por alguns dos mais renomados artistas da época: Jean Baptiste
Debret; Nicolas Taunay, entre outros. Esses artistas foram responsáveis por
criar um imaginário de nação, ao retratarem não só a família real, mas
principalmente a fauna, a flora e os costumes brasileiros. Suas representações,
fundamentadas principalmente no retrato de paisagens marcaram uma singularidade
da arte produzida no Brasil, incentivando, mais tarde, a produção de uma
literatura voltada para questões da nação e da natureza, como fundamentos para
o surgimento do Romantismo, que segundo Antonio Candido, na Formação da
Literatura Brasileira, consolidou a autonomia de nossa literatura, que vinha se
delineando como sistema desde meados do século XIX, com árcades como Claudio
Manuel da Costa e com agremiações culturais como a Academia dos Seletos e dos
Renascidos.
Em 1820, Dom João VI isentou de taxas
alfandegárias a importação de literatura estrangeira. A liberação cultural, que
vinha ocorrendo desde 1808, aconteceu muito em decorrência da chegada das
primeiras máquinas tipográficas, trazidas na frota que fugia de Portugal. As
tipografias passaram a publicar não só jornais, mas também traduções de obras estrangeiras.
Todos os nossos autores românticos serviram-se do jornal, seja para escrever
crônicas e discursos políticos, seja para publicar seus folhetins alguns anos
mais tarde.
Nesse período, o Brasil despertava o
interesse de intelectuais europeus, como Ferdinand Denis, que publica, em 1926,
Resumo da História Literária do Brasil, incitando os brasileiros a produzirem
uma literatura com temática nacional. No mesmo ano, Almeida Garret inclui
autores brasileiros no Parnaso Lusitano.
Parnaso Lusitano
Depois do retorno de Dom João VI para
Portugal e da Independência dois anos depois, o país vivia um clima de entusiasmo,
pelo menos até 1831, quando o Brasil mergulha numa crise política que levará
Dom Pedro I a abdicar. Em 1834, o encontro de três brasileiros na Europa,
Magalhães, Porto Alegre e Torres Homem, dará origem ao movimento romântico
brasileiro. Em 1836, no mesmo ano que Gonçalves de Magalhães publica Suspiros
Poéticos e Saudades, o jornalista francês Girardin, funda o jornal La Presse e
inventa o romance-folhetim, dando-lhe o acesso do grande público, especialmente
o grande público feminino da burguesia. Girardin, que era editor, barateou o
preço das assinaturas de jornais, baseando o negócio, em vez da venda da
tiragem, nos anúncios. Para garantir sucesso aos anunciadores, ele criou um
público permamente e estável de leitores, publicando folhetins nos jornais. A
tradução desses folhetins franceses nos jornais brasileiros teve imensa
aceitação. José de Alencar, conta em sua pequena biografia Como e Porque Sou
Romancista que, junto a outros colegas de colégio, iam de madrugada esperar o
trem que trazia os jornais, e, lá mesmo na estação, liam o folhetim da semana
debaixo da luz de um lampião. Segundo Bezerra de Freitas, em Forma e Expressão
no Romance Brasileiro, os romances do período refletem naturalmente as
transformações sociais e individuais da época
Émile de Girardin
O introdutor do folhetim entre nós foi João
Manuel Pereira da Silva, autor também de romances históricos. Estudantes e
mulheres, no quadro urbano da sociedade imperial, constituem, pois, o público
literário na sua maior parte. A classe social retratada será a da burguesia e a
alta classe média. Pereira da Silva está entre os mais importantes precursores
do romance-folhetim do começo do romantismo brasileiro. Vindo de Paris, onde
havia se formado em Direito, já a partir de 1838 começa a colaborar em diversas
folhas e jornais. Nesse ano, publica O aniversário de Dom Miguel, em 1828, um
romance de influência totalmente européia. Pereira da Silva o classificou como
um romance histórico, mas é difícil dizer se o texto é um conto, uma novela ou
um romance, pela estrutura formal. Totalmente ambientado em Portugal, o romance
tem nítidas conotações políticas, já que foi escrito durante o conturbado
momento da Regência, quando se questionava a manutenção da Monarquia.
João Manuel Pereira da Silva
Da mesma época, destacam-se Justiniano José
da Rocha, que em 1839 publica Os assassinos misteriosos ou a paixão dos
diamantes, que apesar de ser uma novela, é o primeiro dos textos brasileiros
que têm as características específicas do romance folhetim, como o mistério, as
peripécias e a vingança.
Justiniano José da Rocha
Em 1843, aparece O Filho do Pescador, de
Teixeira e Sousa, considerado geralmente o primeiro romance brasileiro, já que
os outros, como os já citados, apesar de trazerem por vezes essa designação,
têm dimensões de conto ou novela. De maneira que podemos considerar Pereira da
Silva e Justiniano José da Rocha, precursores do romance no Brasil. Ou mesmo
Gonçalves de Magalhães com Amância. Seus consolidadores seriam Teixeira e Sousa
e Joaquim Manuel de Macedo.
Teixeira e Sousa
Para Candido, embora a qualidade literária de
Teixeira e Sousa seja realmente de terceira plana, é considerável a sua
importância histórica, menos por lhe caber até nova ordem a prioridade na
cronologia do nosso romance, do que por representar, maciçamente, o aspecto que
se convencionou chamar folhetinesco do Romantismo. Não há dúvida que O Filho do
Pecador é romance, e romance-folhetim, devido ao número de peripécias,
assassinatos misteriosos, filhos que reaparecem após anos sem notícias, a volta
triunfante de um herói que se supunha morto e que consegue vingar-se. No
entanto, embora ambientado no Rio de Janeiro, mais precisamente em Copacabana,
seu clima gótico lembra mais a ficção européia do que a brasileira. O filho do
pescador conta a história de um casamento malogrado, em que a mulher é adúltera
e assassina.
Na década de 40, do século XIX, o Brasil era
uma sociedade que se firmava no escravo. Nós havíamos saído do primeiro reinado,
das lutas da regência e tínhamos um menino imperador no trono. Nossa literatura
era bastante influenciada pela cultura européia, mais especificamente a de
Portugal e da França.
Joaquim Manuel de Macedo
Em 1844, Joaquim Manuel de Macedo publica A Moreninha, até hoje considerado pelos manuais didáticos como o primeiro romance da literatura brasileira. Como vimos, antes disso, romances foram publicados. No entanto, o primeiro grande romance, assim considerado por consolidar o gênero entre nós, sem dúvidas é o livro de Macedo, uma obra hoje pouco lida, mas com linguagem ágil e agradável como vemos também em outras obras do mesmo autor, como A Luneta Mágica, livro que considero um dos melhores do século XIX.
Um comentário:
Sou descendente do Justiniano José da Rocha. Excelente texto!...marcoslima
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