quarta-feira, 9 de abril de 2014

reflexões poéticas sobre o gênero ensaio

QUADRO 1


Talvez fosse possível imaginar uma poética do ensaio a partir de uma visita imaginária a uma exposição de quadros de Ismael Nery. Murilo Mendes, em um depoimento sobre o pintor, escreveu que certa vez o artista lhe contara que, desde cedo, interessara-se pelo trabalho de Cremona, o pintor italiano dos namorados. Ao longo de sua vida, Nery pintou muitos quadros, e esboçou desenhos com o motivo dos amantes. Penso se esses quadros não poderiam nos convidar a pensar o ensaio como o lugar onde se dá o idílio entre dois apaixonados. De um lado o ensaio é passeio, do outro é o encontro amoroso entre a crítica e a poesia. Os dois corpos em um mesmo plano. Os amantes olham fixamente um para o outro como que intuindo a relação prestes a se concretizar em um beijo.


QUADRO 2

O ensaio poderia ser pensado como o retrato de um beijo tímido, mas não menos voluptuoso, entre a crítica e a poesia, encarnadas no quadro "Namorados", de Ismael Nery. O corpo de um personagem completa o corpo do outro. O beijo, oficialmente impossível no espaço bidimensional do quadro, porém verossímil, se realiza poeticamente no ensaio, consumindo as fronteiras espaciais e precisas que antes delimitavam os amantes e interditavam o toque dos lábios. O beijo sela o contato e rompe a cisão que antes separava o conhecimento de um e o gozo do outro.


QUADRO 3

Amor é sempre ensaio ou será ele a prática de uma escrita amorosa onde a crítica está encantada pela alegria enquanto o poema está apaixonado pelo saber? O corpo dele preenche o corpo dela, enquanto ela, morada ou estância, reveste com a sabedoria dos astros, o corpo do ser amado. Para Agamben, o que fica fechado na "estância" da crítica é nada, mas esse nada contém a inapreensibilidade como "o seu bem mais poderoso". Amor é sempre um enigma. O ensaísmo entendido como prática erótica ou como a fala de uma pessoa apaixonada. Nesse sentido, o ensaísta pode ser apontado como amador, não necessariamente como alguém que não sabe o que fala, mas que não descola a sua escrita de seu objeto de desejo, seja para dele falar bem ou mal. Talvez possamos aprender com Derrida que não há fundo na escritura, mas apenas escrita sobre escrita. A crítica não pode pretender encontrar o fundo da obra, "pois esse fundo é o próprio sujeito, isto é, uma ausência", ensaiou Barthes. 



Um comentário:

Unknown disse...

Por acaso você sabe me dizer quando foi feita a pintura do quadro 1, de Ismael Nery?