Jean
Starobinski, no texto "É possível definir o ensaio?", ensaiando sobre o ensaio, relembra a frase de Montaigne:
"Vou, inquiridor e ignorante", para acrescentar que "apenas um
homem livre, ou libertado, pode inquirir e ignorar". Ao
contrário dos regimes autoritários, que proíbem inquirir e ignorar, o ensaio
faz da liberdade do espírito o primeiro e maior objeto de seu desejo. Se por um
lado uma liberdade como essa parece hoje ser um bem "escassamente
compartilhado", por outro, parece também se apresentar como refúgio,
estância, morada da resistência e da reinvenção. É ainda Starobinski que,
interrogando sobre a possibilidade de se definir o ensaio, observa que a partir
de uma liberdade que escolhe seus objetos e inventa sua linguagem e seus
métodos, esta prática deveria saber aliar ciência e poesia, buscando ser, ao
mesmo tempo, "compreensão da linguagem do outro e invenção de uma
linguagem própria, escuta de um sentido comunicado e criação de relações
inesperadas no âmago do presente".
No
texto "O ensaio e seu tema", César Aira lembra de um procedimento
inventado por ele e outros amigos nos anos setenta com a finalidade de criar
ensaios. Tratava-se de um diagrama feito a partir de duas linhas em ângulo
reto, sobre as quais eram escritos duas vezes, na vertical e na horizontal,
termos como Liberação, Colonialismo, Classe Operária, Peronismo,
Estruturalismo, Psicanálise, Sexo etc. Ao acaso, uma palavra era ligada a
outra. Bastava pousar o dedo em qualquer lugar do papel e traçar, a partir
dele, a abscissa e a coordenada, para encontrar um tema, ou melhor, uma
combinatória de dois temas que funcionariam como o ponto de partida para a
escrita. O encontro com o tema, que nesse caso se dá a partir da formulação de
uma combinatória, seria fundamental no processo, já que o ensaio é "a peça
literária que se escreve antes de escrevê-la quando se encontra o tema". Mas como encontrar o tema sem antes escavá-lo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário