quinta-feira, 10 de abril de 2008

HOTEL STRADA




Quando venho para cá, fico hospedado numa pousada aconchegante, perto da rodoviária. O local é administrado por um simpático casal de velhos paulistas. Hoje, o seu Cláudio disse que não havia nenhuma vaga. Lamentou a minha situação e prometeu ligar para alguns hotéis da cidade. Poderia resolver o meu problema. Eu sabia que não. Sentei e esperei.Alguns minutos depois, o dono da pousada trouxe um papel que indicava: Hotel Strada – rua Xavier Monteiro – número 642.Guardei a anotação, escrita com má caligrafia (por que fico prestando atenção nessas coisas?), agradeci e saí.
Transformei meu trabalho num pesadelo. Cansei de viajar sempre para o mesmo lugar. Cada vez, até chegar aqui, o tempo parece inventar um outro espaço. É a estrada que se expande, ou minha cabeça que não se comporta? Só venho aqui por uma coisa.Entrei no hotel.Para que descrever os lugares nesse texto que deve ser pequeno? Toda descrição é uma economia. Nunca gostei de fazer economias, por isso não descrevo, entendeu?Enquanto espero a velha recepcionista voltar do banheiro (eu já sabia que ela estava no banheiro, ou não sou o escritor dessa história?), escrevo bobagens nesse papel.Voltou. Ofereceu uma xícara de café. “O hotel não existe mais! Fechamos. Muito trabalho”.
Por que é que no sonho sempre sei o que as pessoas vão dizer?Eu tenho uma teoria: as pessoas adoram rabiscar papéis. É uma forma inventar seu próprio mundo. Se não for isso, talvez seja outra coisa. Falta do que fazer. Eu sempre escrevo no primeiro papel que cai na minha mão.“O sinhô não liga de eu botar esse pozinho branco no café não? É pra REAL-çá o sabor”.Sempre achei a filha do seu Cláudio a mulher mais bonita dessa cidade. E ela nem sabe que só estou aqui por ela. Minhas viagens já acabaram. De que adiantava ficar no hotel Strada?
Hoje, o seu Cláudio contou que ela casou com o veterinário da cidade. Vaca! Não volto mais aqui.“Tudo bem!”Enquanto tomo o café, pego o papel e volto a anotar.A velha recepcionista tem uma verruga na testa. Sei que ela está me olhando. Sinto que estou tonto. Não paro de escrever.“Mistérios da meia-noite que voam longe / que você nunca / não sabe nunca / se vão se ficam / quem vai / quem foi”.Quando escuto uma música que gosto, sinto-me em casa. Por isso aceitei o café.Escuto um batuque assustador nos fundos da casa. Eu sei, só pode ser da minha cabeça. Estou tonto, mas não paro de escrever. Sei muito bem o que estou fazendo. Foi essa maldita velha com sua boca de crocodilo, que agora sorri para mim. Acho que estou ... estou, estou sim. O seu Cláudio me mandou para o lugar errado. Já nem sei dizer se sou feliz ou não.“Merda!” Estou suando.
Quando era pequeno, gostava de ler todos os livros da série vaga-lume. Em 1959, Resnais lançou Hiroshima Meu Amor. A palavra pão rima com mão. Eu conferi se a porta lá de casa tava fechada? Preciso terminar de ler o livro de John Fante. Como era mesmo o nome do livro? “O que é isso?”.
Estou zonzo. Eu grito para a velha: “O que está acontecendo?”. De dentro de seu corpo gordo, pula uma voz horrível:“Pergunte ao pó!”.

Caio Ricardo Bona Moreira

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