quinta-feira, 10 de abril de 2008

Rápidas palavras sobre
LAVOURA ARCAICA E A ROSA BRANCA DO DESESPERO


Que estranha força é essa das pequenas coisas? Por que tenho o meu olhar atraído em alguns momentos para as coisas aparentemente mais banais? A literatura e o cinema têm para mim forças estranhíssimas. Sou povoado por pequenas imagens, compostas por algumas figuras e sons, alguns tons e movimentos.


Carrego durante algum tempo a imagem inicial do livro “Lavoura Arcaica”, do Nassar, como uma fotografia. Como pode ser? Às vezes não sei explicar o motivo do meu gosto. Por que gosto disso e não daquilo? Alguns textos me tocam pela experiência da palavra. Gosto dos sons, das linhas que se desenrolam na minha cabeça, dos sons imaginários que me conduzem à mágica geográfica do meu corpo. Poderia dizer: “gosto muito de um poeta, porque ele fala de amor, e isso me emociona”; Poderia dizer: “Gosto muito do Guimarães Rosa, não pela estória, mas pelo novelo lingüístico revelado à medida que se ouve”. É isso, pode ser, não consigo explicar.


O motivo que me incita a falar sobre a Lavoura Arcaica é o mesmo motivo erótico – não pornográfico – que conduz o meu sono em noites de calores internos. Mas não é o amor incestuoso de André por Ana, e vive-versa, que me convida aqui. Ana poderia muito bem ser apenas um outro lado de André – ambos são vítimas – ninguém seduz ninguém. Mas não, o que me leva a falar – ou melhor, escrever – estranha é mania de achar que falo quando escrevo – é justamente um motivo quase banal – não para mim. O que me impressionou – e acho que já escrevi sobre isso no meu blog – na narrativa de Raduan foi o compromisso poético com a escritura. Mas o que me impressiona agora é a adaptação para o cinema. Assisti ao filme ontem. Ainda estou "embriagado".


Arrisco dizer que o filme não é uma adaptação – isso é óbvio – o filme é uma outra coisa, massa disforme de pura pureza poética. Quem pesquisar sobre a película descobrirá que o método de filmagem foi estranhíssimo. Os atores foram morar durante algum tempo numa fazenda no interior de São Paulo. Não interpretaram os personagens, viveram. Estas são palavras do Raul Cortez, que interpretou o patriarca, magnífico pai da família árabe, centro onde jaz em perfeito silêncio os valores sagrados da sacro-santa família. Agora, volto ao assunto principal: o que me chama a atenção -penso aqui no filme e no livro – são as pequenas coisas que poderiam "ficar de lado" pelo olhar de um leitor-telespectador indiferente.


Ah, como me impressionou o vestido de Ana. Parece algodão cru, combina com a sua pele. E o lampião aceso, enquanto o pai, feito um ambivalente Deus-ditador discursa calmamente para a família. E a rosa presa nos cabelos de Ana, quando ela dança a cena final. E o muro de pedras irregulares que contornam a casa. E o sapato de André, rapidamente abandonado em momentos de prazer. E o barulho das folhas. Ah, que linda cena primeira do filme, aquela em que André, num quarto de pensão, colhe do corpo a "rosa branca do desespero" (que imagem revelaria melhor a “porra” que sai do seu pênis?). No entanto, não aparece a rosa, não aparece o pênis. Incrível. Mas o melhor foi o som do trem que acelera e desacelera enquanto a rosa é plantada e colhida. Que beleza mística a dança árabe da família! A música parece ter sido composta para Ana, que dança voluptuosamente à procura de um olhar incestuoso do irmão, que se contorce na relva. São esses silêncios que me seduziram. Por isso gostei do filme. Também por isso. Não só por isso.

Caio Ricardo Bona Moreira
publicado originalmente em
http://www.escambal.blogspot.com/

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