quinta-feira, 10 de abril de 2008

UMA GARRAFA DE UÍSQUE E 25 COMPRIMIDOS





A placa indicava: “Entre sem bater”. Foi num sábado. Como poderia esquecer? Tão logo entrei no boteco, percebi que aquilo só podia ser um sonho. Não é em qualquer boteco que encontro Vinícius, Adoniran, Oswald e o João Antônio discutindo música e literatura como quem discute futebol numa sexta-feira depois de um dia estafante de trabalho. João Antônio pediu licença e foi jogar sinuca com um sujeito estranho chamado Bacanaço.Só posso estar morto. Perguntei pro Oswald se ele achava que eu tinha pedido a conta para o garçom. Ele deu risada e disse que eu nem tinha começado a beber, e que eu também não estava com cara de finado. Claro, como não percebi.


Eu ainda ouvia a minha mulher roncar ao meu lado, enquanto o Adoniran cantava o Samba do Arnesto. Eu estava sonhando.Confessei para o sírio de Jequié, que também marcava presença naquela “boemia onírica”, que trocaria toda a realidade para continuar sonhando. “Eu também”. Contou-me que infelizmente sempre acordava quando a conversa ficava boa. E quando dormia novamente, o bar era sempre outro e os poetas também. Por isso estava estudando um manual hindu para aprender a controlar os sonhos. Falou que eu devia me “enturmar” com o pessoal, pois o poetinha já ia começar a declamar “O dia da criação”.Foi quando Marisa me acordou. Queria que eu fosse até a cozinha buscar um copo com água. Tentando esconder a minha irritação, fui até a sala, tomei uma garrafa de uísque, e misturei 25 comprimidos de dormir. Adormeci no sofá.


Fui me aproximando do boteco. Já era um outro boteco. Senti meu peito apertado. Meu coração batia forte. Marisa me chacoalhava e eu não acordava. O boteco estava quase deserto e, sem sucesso, eu me perguntava: “Cadê o pessoal?” A voz de Marisa já estava longe quando ouvi seu grito de pavor. Chamou os vizinhos. Resolvi ficar. Puxei a cadeira, chamei o garçom e pedi a conta.



Caio Ricardo Bona Moreira
(PUBLICADO ORIGINALMENTE EM
http://www.oescambal.blogspot.com/

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