quinta-feira, 10 de abril de 2008

O ADIAMENTO DA MORTE DE VINCENT MALEICOVITCHI


Deitado na cama, antes de partir, entre um delírio e outro, meu avô, o fotógrafo Vincent Maleicovitchi, sussurrou para mim: “A fotografia é um adiamento da morte, ou o adiamento daquilo que ainda será”. Eu tinha apenas seis anos, mas nunca esqueci. As fotografias passaram, então, a fazer parte de minha vida. Eu costumava frequentar “sebos”, procurando encontrar alguma foto que explicasse as palavras de meu avô. Carreguei esse enigma por muito tempo.Lembro da primeira foto que comprei.

É uma varanda. Um velho conversando com uma velha. Ele aponta o dedo em direção ao fotógrafo. O velho usa um chapéu panamá. A foto lança o casal no abismo do adiamento da morte. O velho repete eternamente o mesmo movimento, como que condenado a não mais sair da foto, preso no purgatório da representação. Mas não foi por isso que comprei a foto. Foi a inscrição do avesso que provocou a minha curiosidade. Em letras garrafais: “Isso-não-foi-isso-será”. O que teria essa frase a ver com meu avô?

Só entendi o que ele falou, assim como o que a frase da foto dizia, quando um amigo sugeriu a leitura de “A câmara clara”, de Roland Barthes. Depois de refletir sobre o pensamento do escritor francês, sobre a foto do casal, sobre a frase do verso da foto, e sobre a fala de meu avô sobre a foto, cheguei à conclusão de que as teorias não conseguem explicar muito. Para Barthes, a foto repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente. Ela atesta o “isso foi”. Mas é nesse ponto que encontrei um grande problema. Agora que estou velho posso pensar melhor. Já tinha quase esquecido da frase: “isso-não-foi-isso-será”.

Tudo ficou claro quando num claro dia fui com minha senhora até a varanda lá de casa. Quando olhei para a rua, vi que um homem barrigudo se aproximava. Tirou uma máquina fotográfica da bolsa e apontou para os dois expectadores da varanda. “É o fotógrafo!”, gritei assustado. Vi o “flash” entrar em meu campo de visão. Não notei que o homem fugira. Eu usava um chapéu panamá.

Depois de reler o texto de Barthes, já não sei se a fotografia é a marca do “isso foi”, ou daquilo que ainda será. Na duvida, parei de olhar para fotografias. Também me recuso a posar para elas. Prefiro não adiar minha morte. Não gosto de fazer pacto com as imagens.

Caio Ricardo Bona Moreira
(PUBLICADO ORIGINALMENTE EM
http://www.oescambal.blogspot.com/

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