É uma varanda. Um velho conversando com uma velha. Ele aponta o dedo em direção ao fotógrafo. O velho usa um chapéu panamá. A foto lança o casal no abismo do adiamento da morte. O velho repete eternamente o mesmo movimento, como que condenado a não mais sair da foto, preso no purgatório da representação. Mas não foi por isso que comprei a foto. Foi a inscrição do avesso que provocou a minha curiosidade. Em letras garrafais: “Isso-não-foi-isso-será”. O que teria essa frase a ver com meu avô?
Só entendi o que ele falou, assim como o que a frase da foto dizia, quando um amigo sugeriu a leitura de “A câmara clara”, de Roland Barthes. Depois de refletir sobre o pensamento do escritor francês, sobre a foto do casal, sobre a frase do verso da foto, e sobre a fala de meu avô sobre a foto, cheguei à conclusão de que as teorias não conseguem explicar muito. Para Barthes, a foto repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente. Ela atesta o “isso foi”. Mas é nesse ponto que encontrei um grande problema. Agora que estou velho posso pensar melhor. Já tinha quase esquecido da frase: “isso-não-foi-isso-será”.
Tudo ficou claro quando num claro dia fui com minha senhora até a varanda lá de casa. Quando olhei para a rua, vi que um homem barrigudo se aproximava. Tirou uma máquina fotográfica da bolsa e apontou para os dois expectadores da varanda. “É o fotógrafo!”, gritei assustado. Vi o “flash” entrar em meu campo de visão. Não notei que o homem fugira. Eu usava um chapéu panamá.
Depois de reler o texto de Barthes, já não sei se a fotografia é a marca do “isso foi”, ou daquilo que ainda será. Na duvida, parei de olhar para fotografias. Também me recuso a posar para elas. Prefiro não adiar minha morte. Não gosto de fazer pacto com as imagens.
Caio Ricardo Bona Moreira
(PUBLICADO ORIGINALMENTE EM
http://www.oescambal.blogspot.com/
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