segunda-feira, 14 de abril de 2008

O CAMINHO DE SANTIAGO


“Joãozinho, faço parte de uma sociedade de seres malditos” A frase, fortemente marcada por um sotaque portenho, num primeiro momento, poderia chamar a atenção de qualquer documentarista, no entanto, foi desprezada por João Moreira Salles. No momento em que Santiago tentava apresentar algo extremamente íntimo e que considerava importante, João pediu que o mordomo falasse sobre a história do “embalsamador”. Imediatamente, Santiago abandona os “seres malditos” e fala sobre o que o cineasta lhe pede. A cena serve para ilustrar algumas considerações importantes sobre Santiago (2007), o mais recente documentário de João Moreira Salles.

Em 1992, o documentarista filmou imagens de Santiago, o antigo mordomo da família Salles. O objetivo parecia ser o de produzir um filme sobre uma figura romântica e curiosa, dificilmente passível de ser encontrada nos dias de hoje. Santiago era um argentino que apreciava a cultura clássica,os grandes personagens da história, motivos que o levaram a copiar mais de 30.000 páginas e pontuá-las com comentários sobre figuras importantes para ele – personagens muitas vezes esquecidos pela história. Numa das cenas, Santiago aparece tocando castanholas e em outra criando uma dança para as mãos, por sinal uma das passagens mais bonitas do filme. Durante os depoimentos do mordomo, fica explícita a condução agressiva do diretor, que censura passagens abordadas por Santiago, chegando a transformá-lo numa espécie de marionete. Nota-se o desconforto de um e de outro. E essa é uma das questões que gostaria de comentar rapidamente aqui. Foi justamente o que me fez gostar do filme.

João inicia o documentário falando sobre um filme que nunca aconteceu, o filme sobre Santiago. Depois de muitos anos, o documentarista, num momento de crise pessoal, decidiu retomar o projeto. Ao rever as imagens que havia produzido, descobriu que a maneira como conduzira os depoimentos afastara Santiago. João chegara a ser rude com o antigo mordomo e confessou, já no final do documentário, que a sua postura fez com que o mordomo não deixasse de ser o empregado da família e ele, o patrão. Nesse sentido, o documentário passa a ser não sobre Santiago, mas sobre o documentarista. Talvez pudéssemos substituir o título de “Santiago” por “João”. Louvável a atitude do diretor em expor tal questão. O filme acaba implicitamente por demonstrar a maturidade que o documentarista atingiu ao longo dos anos, e foi justamente essa maturidade que, a meu ver, fez com que o filme sobre o mordomo não pudesse mais ser produzido.

Santiago foi uma das figuras mais comoventes que já assisti em um filme. Talvez pudesse compará-lo, de longe, ao Alfredo, de Cinema Paradiso, dirigido por Giuseppe Tornatore. Nos dois casos, a dimensão trágica da vida é apresentada por dois senhores a dois meninos, Toto e João, ambos apaixonados por cinema. Em Santiago, a cena de Fred Astaire, extraída de A Roda da Fortuna, representa com a mesma profundidade que a cena final de Cinema Paradiso, aquela em que Toto assiste à seqüência dos beijos proibidos, reunidos pelo velho Alfredo. Um presente que só seria compreendido quando o menino crescesse. São duas cenas em que a memória perdida da infância parece vir à tona e sussurrar ao ouvido vozes que não estamos mais acostumados a ouvir.

Caio Ricardo Bona Moreira

3 comentários:

Anônimo disse...

eu não gostei do filme, achei meio piegas. prefiro os outros do joão moeira salles

Anônimo disse...

Por que nao:)

Anônimo disse...

bom comeco